— Aqui — disse Isla. Ela sabia que o cora??o estava ali em algum lugar.
Tudo o que eles tinham que fazer era esperar pelo amanhecer.
Eles encontraram uma caverna esculpida em uma das montanhas de gelo, com vista para a árvore. Oro fez uma fogueira, embora Isla soubesse que ele poderia aquecê-los sem isso. Ele precisava ocupar as m?os para distraí-lo do tempo que passava vagarosamente e do pássaro a poucos metros de distancia.
Ou talvez ele n?o pudesse aquecê-los. Isla tinha visto o quanto de sua pele estava coberta pela mancha cinza-azulada. Tinha sentido a ilha ficando mais fria e mais escura a cada dia que passava.
As chamas aumentaram e atingiram o pico em lindos movimentos. O fogo de Oro ainda estava laranja e vermelho, mas também tingido de algo diferente… um estranho tom de azul-escuro. Ao que parecia, essa era a marca registrada dele.
Isla passou um dedo ao redor da coroa de Oro, empoleirada precariamente em sua cabe?a. Ela franziu a testa, apertando os olhos para enxergar melhor a borda, logo acima de suas sobrancelhas.
— é afiada demais — disse ela, sugando a ponta do dedo onde a pele tinha sido furada por uma das pontas.
Oro deu risada. Era um som glorioso, fazendo-a sorrir imediatamente em resposta. Genuíno. Talvez porque, pelo que tinha visto, ela era a única capaz de fazê-lo rir.
Mas ent?o ele se encurvou.
A Ilha da Lua estremeceu. Estalactites de gelo caíram da entrada da caverna como adagas, algumas se quebrando, outras se fincando no ch?o. Isla se esquivou de uma que quase atravessou seu bra?o.
As m?os de Oro estavam em punhos, e ele arqueou o corpo, grunhindo, o rosto contorcido de dor.
A neve deslizava das montanhas, amea?ando soterrar a entrada da caverna. O pássaro gritou com raiva, um som t?o alto que a fez estremecer. Um estalo como um trov?o soou quando uma geleira se abriu.
T?o rápido quanto os choques come?aram, terminaram.
A ilha está desmoronando, e eu serei levada junto com ela.
Oro ofegou, os dedos enfiados na pedra. Suas costas estremeciam como se ele ainda sentisse os tremores, ainda sentindo dor por todo o corpo.
Isla deu um passo cuidadoso na dire??o dele. Ajoelhou-se até ficar bem na sua frente.
Ele se recostou na parede, os olhos bem fechados.
— Você está bem?
Oro assentiu na mesma hora em que seu corpo inteiro se contraiu mais uma vez, como se ele tivesse sido atingido por um raio. Ele bateu a m?o no ch?o, e longas rachaduras irromperam do lugar que ele havia atingido; a energia Estelar fazendo a caverna cheirar a faíscas.
Isla n?o conseguia imaginar a dor. A conex?o dele com a ilha significava que ele sentia seu poder… mas também sua destrui??o.
Isla colocou a m?o com cuidado no ombro dele, e ele enrijeceu-se. Ela a retirou rapidamente.
Oro gritou mais uma vez, os dedos se cravando mais fundo na pedra, fogo se formando e se apagando em suas palmas, gelo congelando e derretendo, faíscas revestindo-as, depois desaparecendo.
— O que… o que posso fazer para ajudar? — ela perguntou, em panico. Tinha que haver algo que ela pudesse oferecer.
Os olhos deles ainda estavam fechados. Ele engoliu em seco e ela observou o movimento, observou-o estremecer outra vez. Encontrou-se imaginando se ela tomaria sua dor para si, se pudesse.
— Cante para mim, Selvagem — ele enfim disse.
Isla pensou que devia ter ouvido mal, mas ele inspirou e expirou de forma trêmula. Em silêncio. Esperando.
Ela se lembrou da noite na varanda. Quando cantou sem saber que alguém estava ouvindo.
Ele tinha aplaudido, e ela presumiu que estivesse sendo maldoso.
Talvez tivesse mesmo gostado.
Isla come?ou a cantar uma can??o Selvagem. Sua música favorita. A única que cantava quando queria ouvir sua própria voz ecoando de volta para ela. Quando estava sozinha em seus aposentos e esperava que alguém bem longe dali pudesse ouvi-la. Quando se perguntava se havia alguém a reinos de distancia, escutando.
Cantou aquela música.
Sua voz era doce como mel, aguda como sinos, profunda como o trov?o. Ela podia fazer coisas selvagens com sua voz, e fez, sentando-se nos calcanhares, os joelhos encostando nas pernas dele. A voz ecoou pela caverna, harmonias se entrela?ando.
Os olhos de Oro se abriram em algum momento. Ele a observou, recuperando o f?lego aos poucos. Lentamente, seus punhos come?aram a se abrir. Ele descansou as palmas das m?os na pedra fria e escutou.
Isla sorriu para ele quando seus ombros relaxaram. Sua express?o n?o se alterou. Ela continuou a cantar, porque ele n?o tinha pedido para parar, e o sol n?o tinha nascido. Ela cantou até sua voz ficar rouca e o som mudar. Gostava quando ficava assim, mais grossa, diferente.
Parte dela se perguntou se ele a deixara continuar por educa??o, mas, quando Isla fechou a boca, Oro franziu a testa.
— Por que você parou?
Isla fez um gesto em dire??o à entrada da caverna, sem f?lego.
— Por causa daquilo.
O céu noturno estava clareando. A lua estava desaparecendo.
Oro ficou de pé em um instante. Ambos correram para a entrada, assistindo. Esperando.
Na luz que surgia, Isla notou algo. Ela semicerrou os olhos. Logo abaixo do ninho, algo flutuava no ar, livre da gravidade.
— Aquilo é um ovo? — ela perguntou.
Assim que as palavras saíram de sua boca, o ovo caiu. Lentamente, muito lentamente, caiu no ch?o.
E se abriu.
De sua casca emergiu uma brilhante gema dourada. Ela se ergueu do ch?o em sincronia com o sol nascendo no horizonte, do outro lado do penhasco.
— O ovo representa a lua — ela disse, sua voz rouca de tanto cantar. — A gema… é o sol.
Quantas vezes ela n?o pensou que a lua cheia parecia um ovo? Que o sol parecia uma gema? Isla se virou para Oro, os olhos arregalados.
— é isso — disse. — Esse é o cora??o.
O cora??o fica escondido até desabrochar e se tornar parte de Lightlark. Oro havia presumido que fosse uma planta, mas, desta vez, o cora??o tinha voltado como a própria base da vida. Um ovo.
Oro observou a gema flutuando e a casca descartada com tanta admira??o que Isla se perguntou se iria cair de joelhos. Ele encontrou o olhar dela e sorriu t?o gloriosamente que era como se o próprio sol estivesse brilhando através de sua pele.
Ele a pegou nos bra?os e a girou. Isla riu, t?o perto de chorar de alívio, seus olhos ardendo, os pulm?es queimando. Foi imediatamente inundada pelo calor dele, atravessando seus ossos. Um momento depois, estava no ch?o novamente.
Oro balan?ou a cabe?a em descren?a e estendeu a m?o para sua coroa na cabe?a dela. Isla se perguntou se estava prestes a pegá-la de volta. Em vez disso, ele a endireitou, sorrindo.
— Vá em frente, Selvagem. Pegue nosso cora??o.
Ela sorriu de volta.
Finalmente.
Ela n?o era fraca. Tinha resolvido o enigma da profecia, encontrado o cora??o, do jeito dela. Estava certa. Ia salvar as pessoas que amava. Ia fazer o que até mesmo suas tutoras achavam que ela era incapaz de realizar.