O amaldi?oado rei Solar n?o podia sair ao anoitecer ou ao amanhecer, horários muito próximos da luz do sol. Eles sempre procuraram o cora??o à noite, muito depois de o sol desaparecer. Isso explicaria por que o cora??o n?o estava em nenhum dos lugares que haviam verificado. Talvez estivesse, mas escondido. Oro se virou para ela.
— Isla, acho que você pode estar certa.
Ela se levantou. Oro também. Eles se encararam, e ele sorriu. Sorriu.
Isla nunca o tinha visto t?o feliz.
Algo no sorriso dele a remeteu a outra lembran?a feliz. O momento em que ela sentiu as chamas contra seus bra?os, formigando dolorosamente ao longo de sua pele congelada, o alívio mais doce do que uma colherada de mel. O momento em que ela soube, cercada pelos Vinderen, que havia sido salva. Por Oro.
Ele a tinha encontrado, contra todas as probabilidades. Eu segui o pássaro, ele tinha dito.
Ela sorriu. A mesma criatura que quase a condenara tinha salvado sua vida.
Oro ergueu uma sobrancelha para ela, tentando ler seus pensamentos.
Isla congelou. Ela sentiu o sangue sumir do rosto, e Oro estendeu a m?o para firmá-la enquanto ela se apoiava contra a mesa.
O pássaro havia seguido Isla de forma implacável toda vez que eles pisavam na Ilha da Lua. Ela presumiu que ele era os olhos e ouvidos de Cleo, mas e se estivesse errada?
E se o pássaro estivesse tentando mostrar algo a ela?
— Eu sei onde está o cora??o — disse.
CAPíTULO CINQUENTA E UM
CORA??O
Os passos de Isla eram silenciosos na neve. Sua respira??o era estável. O mundo inteiro havia se estreitado em um túnel. Seus pensamentos, em geral incessantes, foram substituídos por uma calma predatória, a sensa??o de pouco antes de matar, um momento antes de lan?ar uma flecha, a tens?o da corda.
Ela estava certa desta vez. Sabia disso com cada parte de si.
Oro estava esperando por ela no hall do castelo naquela noite. O c?modo zumbia com uma energia invisível, emanando dele em ondas. Ele estava ansioso. Esperan?oso.
Ela sorriu, mesmo sem querer. Porque estava ansiosa e esperan?osa também.
Isla caminhou até ele, ficou na ponta dos pés e deu um peteleco em sua coroa. Sorriu para ele, testando-o, vendo se os meses trabalhando juntos talvez tivessem acabado com seu desdém por ela.
Oro franziu a testa. Ent?o a surpreendeu, tirando a própria coroa…
E colocando-a na cabe?a de Isla, por cima da que usava.
— Se estiver certa sobre isso, Selvagem — ele disse —, você pode se tornar mais poderosa até do que eu.
Suas palavras quase fizeram os joelhos de Isla vacilarem. Ele realmente estava dando a vitória a ela. N?o, reconhecendo que a vitória era dela.
Isla havia descoberto o que o rei n?o tinha conseguido compreender.
Ela tirou a própria coroa e a colocou no cabelo dourado de Oro. Ficava ridiculamente pequena na cabe?a dele, e Isla fez um biquinho.
— O reino Selvagem combina com você, rei — ela disse antes de sair pelas portas.
A coroa dele ainda era quente e pesada em sua cabe?a. Era t?o grande que escorregou até o meio da testa, mas Isla percebeu que n?o se importava.
Faltava pouco menos de uma hora para o amanhecer. Tempo o suficiente para procurar um abrigo para Oro. Assim que o encontrassem, tudo o que teriam que fazer era esperar.
A pele de Isla co?ava; seu corpo estava todo coberto de faíscas. Ainda assim, ela ficou em seu túnel, concentrando toda a energia no outro lado.
O cora??o. Aqueles que amava. Seu futuro.
O poder era a última coisa em sua mente. Se ela pudesse salvar Celeste e Terra, ficaria contente. Elas significavam muito mais do que habilidades e poderes jamais significariam. Sabia disso agora.
Ela só esperava n?o ter percebido tarde demais.
— O que você vai fazer? — perguntou a Oro enquanto davam os primeiros passos pela Ilha da Lua. — Quando quebrarmos as maldi??es?
Oro caminhava com firmeza, olhos fixos no céu.
— Vou reconstruir — respondeu. — Nos últimos séculos, o foco do reino tem sido as maldi??es. Como quebrá-las. Como viver com elas. Como sobreviver a elas. Quando tudo isso tiver acabado, vou estar livre para trazer Lightlark à glória de antes.
Isla levantou uma sobrancelha para ele.
— Com o reino Solar como o imperante?
Oro balan?ou a cabe?a.
— N?o. Como era antes. Quando os reinos eram unidos.
Ela soltou um longo suspiro. Unidos. Isso significaria os Selvagens retornando para Lightlark. Os que restaram, pensou, o pavor torcendo o est?mago.
— N?o tenho certeza de que o povo de Lightlark ficaria feliz caso os Selvagens voltassem.
— Eles ter?o que aprender a lidar com isso — disse Oro. Sua voz era t?o firme que ela o encarou. Ele encontrou seu olhar. — E talvez você queira ficar.
Isla piscou. Nunca havia pensado em ficar em Lightlark. Durante o pouco tempo em que se permitiu sonhar sobre o depois, sobre como seria sua vida se conseguisse quebrar as maldi??es, tinha imaginado apenas fragmentos. Ela e Celeste, de volta às novas terras Estelares. Comemorando os aniversários da amiga sem tristeza ou medo. Liderando a nova terra Selvagem com confian?a, Terra e Poppy fortes ao seu lado. E mais recentemente… visitando Umbra. Passando tempo com Grim.
Nenhum de seus futuros incluía a ilha.
— Talvez — ela disse, mas era uma mentira. E, por causa de seu dom, Oro sabia.
Eles caminharam durante meia hora pela Ilha da Lua, em silêncio.
O vento a?oitava suas bochechas com tanta violência que Isla se perguntou se Azul era o responsável. Azul. Ela n?o tinha contado a Oro sobre a prova de que era ele o responsável por envenenar Celeste. Ent?o fez isso naquele momento.
Oro franziu a testa.
— Deve haver algum engano — disse. — Azul nunca quis ferir outro governante. Nunca tentou formar uma alian?a.
Ela acabara de contar a ele que o Etéreo tinha envenenado Celeste. N?o era prova o suficiente de que n?o era inocente?
Por que Oro estava defendendo Azul? Ela queria exigir uma explica??o, mas recuou quando um grito ecoou em seu ouvido.
O pássaro azul-escuro.
Suas asas batiam lentamente, como se as penas fossem muito pesadas para o corpo pequeno. Ele grasnou de novo. Desta vez, Isla n?o o amea?ou.
Ela o seguiu.
Isla e Oro correram com pressa pela neve, e ela apertou os olhos, tentando n?o perder o pássaro de vista no escuro. N?o sentiu o frio, ou a terra afundando sob seus pés, ou qualquer outra coisa, enquanto seguia o pássaro em meio à floresta repleta de galhos esqueléticos, que agarravam as roupas deles como se implorando para que diminuíssem a velocidade.
Ela continuava em frente. Ofegando.
O pássaro n?o era o cora??o. Sabia disso.
Mas a levaria até ele.
Montanhas de gelo surgiram. Os oráculos n?o estavam longe. Onde a escurid?o encontra a luz. Ela se lembrou do que o oráculo dissera… que o cora??o n?o estava no gelo, mas estava próximo, mais próximo do que você imagina. As árvores ficaram mais distantes umas das outras aqui, com mais espa?o para a neve se acumular. Um rio serpenteava entre elas, o som da água se partindo e voltando a congelar como pequenas rachaduras da lenha se estilha?ando.
Outro guincho ecoou pela noite. Ela avistou o pássaro enquanto ele mergulhava para baixo e voava para cima, para uma árvore.
Até um ninho.