Os lados da boca de Oro se contraíram, divertindo-se.
— Pode ser, mas você n?o respondeu a minha pergunta.
— E nem vou — disse ela, olhando para ele. Oro sorriu. Ele estava rindo dela?
Por alguma raz?o, Isla foi compelida a provar que ele estava errado. Para apagar o sorriso de seu rosto miserável. Sem quebrar o olhar de Oro, desabotoou a capa e a deixou cair no ch?o. Tirou a enorme camisa e a cal?a, até ficar apenas com as roupas que usava por baixo, além das roupas íntimas. Uma regata minúscula que ia até acima do umbigo e shorts justos de cintura alta que terminavam no alto da coxa.
Ela n?o estava em sua roupa íntima, mas vestindo apenas peda?os de tecido, sentiu-se nua na frente dele.
Oro ficou muito quieto.
Ela deu de ombros, se esfor?ando para parecer despreocupada.
— é só pele — ela disse, a voz saindo ligeiramente ofegante.
— Só pele — ele repetiu, sua boca mal se mexendo.
Isla passou por ele, desceu os degraus da escada. Até seus pés espirrarem água. Até a água chegar aos joelhos. Ela o ouviu tirar a cal?a, depois as meias e os sapatos. Ela tremeu, o frio doendo em cada centímetro de pele exposta.
Um momento depois, Oro estava ao lado dela, de cueca. Desta vez, ela desviou o olhar. Um pouco relutante.
— Lírios-d’água crescem aqui — ele disse, também evitando encará-la. — Os que você mostrou na montanha. — Isla se lembrou daquele dia, que parecia a reinos de distancia. — Você disse algo como o cora??o pode estar preso às suas raízes, correto?
Ele olhou para Isla, e ela apenas assentiu.
— Essas águas abrigam criaturas antigas e cruéis — disse ele. — Fique atenta.
A água ondulou quando ele mergulhou. Isla respirou fundo e o seguiu. Oro nadou rapidamente, para fora do sal?o principal, direto para o corredor. Ela ficou perto da escada. O teto tinha quinze metros de altura, e ela estava no alto, mergulhando em dire??o a um c?modo que parecia quase perfeito, exceto por uma pintura que tinha sido rasgada, faixas do que um dia fora uma paisagem ondulando na água.
Seu olhar tra?ou as bordas do ch?o, sob os móveis. Sem sinal de qualquer planta. Isla se virou, para tentar um c?modo diferente, e quase engoliu um bocado de água, assustada.
Um rosto, adorável e cruel como um pesadelo, flutuava diante dela.
Metade do rosto da garota tinha escamas; metade de seu cabelo tinha a mesma sedosidade transparente da cauda de uma carpa. Seus bra?os e pernas eram cobertos por escamas também, criando o efeito de seda submersa em torno de seus membros.
Fascinante.
Isla semicerrou os olhos. Sua mente rapidamente se tornou t?o obscura quanto a água. Ela estava lá por algum motivo… mas ela n?o conseguia se lembrar qual era.
A garota sorriu e estendeu a m?o coberta de escamas com unhas afiadas como facas. Para ajudar, Isla percebeu.
Ela n?o sabia por quê… mas pegou a m?o dela.
E a garota a conduziu para baixo. Passando por um quarto, para um corredor. Ent?o Isla viu os lírios-d’água, afundados, suas raízes como tran?as que desciam por metros e mais metros. Algo sobre elas parecia importante, mas ela n?o sabia dizer o quê.
Felizmente, Isla tinha a garota para guiá-la, mas para levá-la para onde?, ela questionou.
Algo tamborilou em seus ouvidos, um eco ou rugido, enquanto seu peito se contraía. A dor era silenciosa, t?o distante quanto a superfície, mas as batidas continuaram. Batendo como…
O cora??o. Era para isso que estavam ali, Isla se lembrava agora.
Ela parou de seguir aquele caminho e a garota se virou, puxando o bra?o dela.
Isla balan?ou a cabe?a, o movimento deixando-a tonta. Seus olhos tinham come?ado a se fechar. Ela precisava de algo… talvez ar.
A garota era insistente. Ela puxou seu bra?o, levando Isla consigo.
Algo n?o estava certo. Isla escapou das m?os da garota.
A criatura n?o gostou disso. Ela girou e cortou Isla com suas unhas afiadas como navalhas.
Nuvens vermelhas coloriram a água como manchas de tinta.
Isla come?ou a nadar para fora do c?modo novamente, sem saber muito, mas com a no??o de que precisava fugir. Ela passou pela porta, de volta pelo quarto, até que conseguiu visualizar as escadas, mas estava longe demais e suas pernas ficaram rígidas.
Mas Isla n?o estava ali sozinha, percebeu, a névoa em sua mente dissipando. Ela poderia chamá-lo…
Algo puxou seu pé com tanta for?a que ela engasgou, engolindo água, e afundou novamente.
Era como fogo na garganta, queimando seus pulm?es, a água salgada diretamente do mar. Isla estremeceu, seus órg?os implorando por ar, por alívio, quando ela se virou para olhar para seus pés, para a garota que a reivindicava mais uma vez.
Ela agarrou a adaga que havia escondido no peito, enfiada no arame do suti?, e a deixou cair. Seu pé livre alcan?ou a lamina com os dedos.
E ela apunhalou a figura tenebrosa bem no olho.
A criatura sibilou, desaparecendo para o fundo em um instante.
Ela estava no topo da escada de pedra no segundo seguinte, tossindo a água de seus pulm?es.
No ar, sua cabe?a clareou completamente.
O que aconteceu?, ela pensou. Por que ela havia seguido a garota como uma idiota?
— Aquilo era uma criatura da noite — Oro disse em algum lugar próximo. Sua voz estava tensa. — Eles podem invadir sua mente. Desligá-la completamente.
Ele se ajoelhou ao lado dela, e Isla se perguntou o motivo, até que gritou. A dor tomando conta dela com for?a total. Havia uma ferida longa e profunda num lado do seu corpo onde a garota tinha a cortado.
Oro fez um som suave e calmante que parecia totalmente em desacordo com sua presen?a imponente. Mesmo de joelhos, ele era maior que ela.
Isla estremeceu no ch?o frio de pedra, e ele colocou a m?o na sua barriga nua. O calor inundou seu amago de uma só vez, seguido por uma ferroada; ele a estava curando. Oro fez o som calmante mais uma vez quando ela se retraiu, e Isla olhou para ele, realmente olhou para ele, fazendo uma careta enquanto sua pele se costurava novamente. Ele a encarou de volta.
Algo sobre sua proximidade, talvez, ou suas m?os sobre ela, ou, mais provavelmente, o sangue que ela havia perdido, deixou Isla um pouco tonta.
Ela gemeu novamente, a cura como eletricidade em sua pele. Oro estremeceu quando a m?o dela cobriu a dele, ambas pressionadas contra a ferida. Era quente como carv?o sob seus dedos, e enorme, quase cobrindo completamente sua barriga. Em pouco tempo, ele moveu a m?o.
Isla observou os nós de seus dedos descerem por suas costelas, curando as bordas da ferida.
— Pronto — ele disse, no momento em que Isla se preparava para outra ferroada.
Isla piscou para ele. Tinha estado ofegante, o sal em sua ferida como chamas contra a pele. Agora, sua respira??o tinha se acalmado.
Oro removeu lentamente as m?os de sua pele nua. Assim que ele o fez, ela estremeceu, o frio voltando.
Com isso, ele a tocou novamente, desta vez contra o joelho.
Ela se endireitou, desejando que seus pensamentos estranhos fossem embora, lembrando-se do motivo para estarem naquele palácio miserável.