— Achou que poderia disfar?á-la? — Ele sorriu, e Isla viu muitos dentes em sua boca, um colado no outro. — Isso pode funcionar com outros, mas… comigo? — Ele riu. — Ou achou que ela seria suficiente para me convencer a trabalhar com você? Está t?o sem saída, rei, a ponto de me pedir ajuda? Você é um tolo.
O homem alado virou-se para encarar os outros. O cabelo deles era azul, mas n?o escuro como o dele. Pareciam muito pálidos. Doentes. A maneira como suas asas estavam caídas fez Isla pensar que n?o funcionavam mais. Seria por causa da maldi??o dos Etéreos? Também os havia afetado?
— O que me dizem? — ele perguntou em voz alta, um líder reunindo seu povo. — Estamos prontos para nos livrarmos desta ilha? Para ver como nos saímos do outro lado?
Sua m?o fechou-se em punho.
E a espada cortou a garganta de Oro.
Isla ofegou. A lamina n?o tinha cortado profundamente, mas o sangue escorria pelo pesco?o, manchando a camisa. Ela precisava levá-lo até a água, para que Oro pudesse fechar a ferida antes que perdesse sangue demais.
Mesmo com o corte, o rosto do rei n?o mudou. Ele nem estremeceu.
Precisavam abandonar o plano. Ele estava certo.
Levou apenas alguns segundos enquanto o homem alado falava com seu povo para Isla recuperar a adaga. Mais alguns para cortar a corda. Ela sentiu metal frio em seus dedos.
Ent?o seu bra?o se ergueu no ar.
A lamina voou certeira, com uma mira perfeita, direto para o cora??o do homem alado. Ele zuniu rápido como uma flecha, a lamina brilhando na luz.
Um centímetro antes de atingir o alvo, a adaga congelou.
Isla ficou parada, preparando-se para o homem alado enviá-la de volta para seu peito.
Mas ele n?o havia congelado a lamina. Seus olhos estavam arregalados; parecia completamente chocado por ver a ponta mirando seu cora??o.
A adaga n?o estava sozinha. A espada que estivera na garganta de Oro agora estava no pesco?o do homem.
Oro havia parado a lamina de Isla.
Todo mundo congelou. N?o pela vontade deles, mas pela de Oro. Suas narinas dilataram.
— Talvez seja você o tolo por acreditar que poderia imobilizar um Selvagem com uma corda. — Ele deu um passo à frente, sangue ainda fluindo do corte. N?o estendeu a m?o para limpar, com um sorriso maldoso no rosto. — Sim, ela sabia que despertaria sua curiosidade o suficiente para nos colocar em sua colmeia. E eu sabia que você seria orgulhoso o suficiente para acreditar que tinha conseguido nos capturar com tanta facilidade. — Ele alcan?ou a plataforma onde estava o homem alado. Sua voz se tornou quase um rosnado. — Agora, diga-nos onde podemos encontrar o cora??o da ilha.
O homem alado ficou em silêncio por um momento. Depois sorriu.
— Como eu adoro uma surpresa… e ela — ele olhou com curiosidade para Isla —, ela certamente é uma surpresa. Mais do que você sabe… — Isla congelou. Ela podia ouvir na sua voz, ele sabia. De alguma forma, ele sabia que ela era uma governante Selvagem nascida sem poderes. Ela se preparou, esperando que ele dissesse as palavras. Esperando para ver o que Oro faria com essa informa??o, mas o homem alado só riu. — Curioso, t?o curioso, Selvagem. Nascida de forma t?o estranha.
Ele se virou para Oro, ainda sorrindo alegremente. Como se n?o tivesse acabado de cortar a garganta do rei de Lightlark.
— O que vai me oferecer, rei?
A lamina se aproximou de seu cora??o.
— Vou oferecer uma chance de manter sua colmeia e seu povo em seguran?a.
A express?o do homem n?o vacilou.
— Eu quero a Selvagem.
Antes que Isla pudesse se mover, a m?o de Oro estava no pesco?o do homem. E coberta de chamas.
Elas dan?aram nos olhos do homem enquanto ele continuava calmamente: — Quero que a Selvagem venha me visitar. Assim que tudo isso acabar. — Ele olhou para ela. — Ela virá de bom grado, posso assegurar.
Isla deu um passo à frente antes que Oro pudesse fazer outro movimento.
— Feito — disse. A pele dele estava muito pálida. Precisava ser curado imediatamente. Ela suspirou, fingindo tédio. — Agora nos diga onde encontrar o cora??o. Quero conseguir dormir pelo menos um pouco esta noite.
O sorriso do homem alado se alargou.
— Muito bem. O cora??o floresce em um lugar novo a cada vez. Eu já vi. N?o sei onde está agora… mas parece sempre escolher um lugar onde a escurid?o encontra a luz.
Isla n?o tinha ideia do que isso significava, mas Oro tirou a adaga de Isla do ar e a segurou com firmeza enquanto virava as costas para o homem e o resto do povo alado. Ele grunhiu enquanto passava por ela, um sinal para que ela o seguisse.
Eles caminharam pelo labirinto da colmeia até chegarem a seu exterior. Ele devolveu a arma. Isla come?ou a descer, mas Oro trope?ou por uma das aberturas e se segurou nela antes de cair. Ele voou por um tempo, respirando um pouco rápido demais. O sangue manchava sua bochecha, seu cabelo.
— Um plano — disse ele, a voz rouca. — Temos um plano.
— Oro — ela disse enquanto eles meio voavam, meio caíam, as árvores apenas alguns centímetros abaixo.
Ela tentou manter o panico fora de sua voz.
— Oro.
Ele olhou para ela e seus olhos estavam vermelhos. Ele estava dormindo? Seus olhos se fecharam por um momento.
E eles come?aram a cair.
Bateram nas árvores e Isla gritou. As m?os dele apertaram a dela, e o ar se agitou, se despeda?ou quando algo como um escudo apareceu ao redor deles. Galhos estalaram, o vento rugiu em seus ouvidos enquanto eles despencavam.
Ela atingiu o ch?o com um baque. Mesmo com o escudo barrando a queda, sua respira??o foi arrancada dos pulm?es. Ela engasgou, segurando a terra, esmagando folhas entre os dedos. Estrelas pontilhavam em sua vis?o, se misturando às estrelas reais, e a escurid?o amea?ava engolir o resto.
Isla lutou para se levantar, seus ossos gritando em protesto. Oro estava a poucos metros de distancia, esparramado no ch?o. Sangue se acumulava ao lado de seu pesco?o. O corte n?o parecia profundo, mas ele devia ter perdido muito sangue para ter ficado t?o fraco.
água. Ele precisava de água. Dessa forma conseguiria se curar com as habilidades Lunares. Ela se for?ou a ficar quieta. A ouvir.
Sua respira??o estava ofegante, ent?o ela segurou o f?lego. Seus pulm?es pulsavam de dor, a cabe?a girava, mas, finalmente, ela ouviu. O barulho de um riacho.
N?o ali perto. Ela agarrou a m?o de Oro.
— Levanta.
Ele n?o se mexeu, mas o sangue ainda corria em suas veias. Isso era bom.
— Levanta.
Nada.
Ela deu um tapa no rosto dele o mais forte que p?de.
Seus olhos se abriram com isso, mas logo come?aram a se fechar.
— N?o consigo te carregar — ela disse. — Você precisa me ajudar.
Devagar, com a ajuda de Isla, ele se levantou.
— Você pode chamar a água até você? — ela perguntou, mas era como se ele n?o conseguisse ouvi-la. Ent?o, ela meio que o arrastou em dire??o ao som, seu peso sobre ela como uma pedra.
Ele era muito pesado. Ela queria parar. Queria desmoronar no ch?o.
Mas se Oro morresse…
Toda Lightlark morreria.
Ela precisava do cora??o agora, tanto quanto ele.
Ele precisava viver.
Ela caminhou até suas pernas queimarem, até sua respira??o ficar quente contra os lábios. Até que a pele de Oro come?ou a esfriar, o inconfundível calor Solar morrendo.