Quando Celeste a encontrou e elas saíram correndo do sal?o, Isla pensou nas palavras do rei, que este Centenário n?o era simplesmente outra chance de quebrar as maldi??es…
Mas que talvez fosse a última chance.
Dezenas de pessoas estavam mortas. Aquela ala do castelo foi reduzida a pouco mais do que escombros. E ficaria pior, Isla sabia, se eles n?o quebrassem as maldi??es em breve.
Ela havia feito uma alian?a com o rei. Os dois tinham um plano para encontrar o cora??o. Grim, Celeste e Oro haviam prometido protegê-la.
Mesmo sem o desvinculador, parecia quase possível sobreviver ao Centenário e quebrar as maldi??es antes que ele terminasse.
Mas, quando as portas quebradas do sal?o de baile se fecharam e o gritos foram engolidos, Isla se perguntou se a ilha ao menos duraria o resto dos cem dias.
CAPíTULO TRINTA E QUATRO
ORO
As consequências do ocorrido no baile deixaram a ilha fraturada de várias formas. Parte do castelo estava em ruínas. As ruas da pra?a estavam t?o vazias que o vento assobiava por elas. As vitrines das lojas estavam fechadas, e suas paredes n?o se abriram à noite. Os ilhéus estavam com medo de deixar suas casas, mais ainda suas ilhas. Houve sussurros de que a tragédia no baile fora obra de Grim, após sua demonstra??o semanas antes ter mostrado a mesma coisa acontecendo. Só que a tragédia n?o tinha sido uma ilus?o.
O Continente tornou-se um lugar apenas para espectros e governantes.
Eles pararam de fingir. Cleo abandonou todas as pretens?es de trabalhar com Celeste e se mudou para sua ilha, quebrando a tradi??o. Oro, de forma atípica, adiou em alguns dias a excurs?o que fariam, precisando lidar com os destro?os e impedir os nobres de se rebelarem. A tens?o estava cada vez pior.
Eles sempre souberam que o Centenário tinha uma linha do tempo. Um relógio de cem dias.
Mas parecia que aquele relógio havia mudado.
— Conte-me mais sobre o cora??o — disse Isla no quinquagésimo terceiro dia.
Um guincho ecoou pela noite, t?o alto que a madeira abaixo de suas m?os tremeu. Isla respirou fundo, mantendo-se firme, rejeitando o canto da sereia em sua cabe?a que a desafiava a olhar para os trinta metros abaixo de seus pés.
Oro parou por um momento, esperando por algo. Seu olhar passou para o céu. Ent?o seu bra?o estendeu-se para o próximo galho. Eles estavam subindo uma treli?a de madeira, troncos grossos tran?ados. Oro n?o podia voar para onde quer que estivessem indo, Isla presumiu, mas n?o perguntou o motivo.
Isla tinha muitas perguntas. O que significava que tinha que ser estratégica.
Outro segundo passou sem resposta, e ela estava prestes a puxá-lo para fora da grade pelo pé, mas ele disse: — Foi feito durante a cria??o da ilha e contém a energia pura e concentrada de seu criador.
— Quem o criou?
— Horus Rey.
— E Cronan Malvere?
Oro parou antes que seus dedos pudessem alcan?ar o próximo galho. Ela observou os músculos de suas costas ficarem rígidos. Devagar, muito devagar, ele olhou para baixo, para ela.
Ela olhou de volta, as sobrancelhas ligeiramente levantadas. Parecia que ele n?o tinha energia para encará-la por mais tempo. Mais de duas dúzias de nobres tinham morrido no baile, e cada vida perdida pesava sobre ele. Ela via na linha firme de sua boca, na tens?o de seus ombros.
— Grim te disse isso? — ele perguntou, enfim.
— Sim. Ele é muito mais acessível que outros governantes — ela disse incisivamente. Parte dela queria que ele a encarasse. Queria que ele fizesse qualquer coisa, menos parecer t?o vazio.
Oro ainda n?o tinha alcan?ado o próximo anel. Ela subiu ao nível dele para ficarem da mesma altura.
— Isso foi tudo o que ele disse? — ele perguntou.
Ela assentiu.
Ele franziu a testa.
— N?o t?o acessível quanto você pensa, ent?o — disse ele. E subiu para o próximo nível.
— O que isso quer dizer? — ela perguntou.
Oro n?o disse nada.
— Ei!
Ele se virou para olhar para ela e disse:
— Pergunte a Grim. Ele é o governante mais acessível.
A boca de Isla já estava aberta para responder, quando uma m?o a alcan?ou através da treli?a e a puxou.
Ela foi arrastada para a frente, em um interminável labirinto de madeira. N?o conseguia ver seu agressor; o luar estava muito longe de suas costas. Isla buscou pela adaga que havia enfiado na cintura, mas a outra m?o amarrou as dela. Sentiu a inconfundível queimadura da corda em seus punhos.
Segundos depois, ela estava de joelhos na escurid?o total.
Isla estava presa novamente, mas desta vez era de propósito. Tinha sugerido usar a si mesma como isca e Oro concordou, parecendo disposto a aceitar mais riscos após o desastre no baile.
E funcionara.
A luz irrompeu, iluminando tudo. As paredes eram faveoladas. Ela e Oro estavam escalando o lado de fora delas.
Oro.
Ela viu o contorno inconfundível de sua capa quando ele se aproximou. N?o estava preso, estava simplesmente parado ali, olhando para ela.
— Solte-a — ele disse, severo.
Isla olhou em volta para ver com quem ele estava falando. Foi quando ela os viu, de pé nos buracos da colmeia. Dezenas deles.
Eles tinham asas longas e transparentes que pendiam. A pele era azul-clara, como se alguém tivesse enfiado um pincel no céu. Seus olhos eram grandes demais, os membros muito compridos.
Nenhum deles se moveu.
Oro mostrou os dentes.
— N?o me ouviram?
Passos soaram diante dela, no centro da colmeia. Das sombras surgiu um homem t?o alto quanto Oro. Ele tinha a mesma pele azul-clara dos outros, mas suas asas eram maiores e estavam abertas, as pontas aparecendo por cima dos ombros musculosos. Seu cabelo era escuro como o de Grim.
— Ah, eles te ouviram sim, rei — ele disse. — Mas, no entanto, hesitam em seguir as ordens de um governante que os abandonou. — O homem inclinou a cabe?a para ele. — Você compreende, tenho certeza.
Oro deu um passo à frente, mas uma espada apareceu do nada, e pressionou firmemente sua garganta. O homem estava com a m?o levantada, mantendo a lamina no lugar.
Oro moveu um dedo e a lamina se aproximou, fazendo uma gota de sangue escorrer por seu pesco?o.
O homem alado estalou a língua.
— Um movimento, rei, e veremos que você pode morrer t?o facilmente quanto o resto de nós.
Ela precisava pensar, fazer alguma coisa. Alguma distra??o, até que conseguisse bolar um plano melhor.
— Destruiria a ilha só para matar o rei?
Lentamente, o homem se virou para ela, como se a tivesse notado pela primeira vez. Ela esperava uma espada contra sua garganta em seguida. Oro dissera que ele tentaria matá-la. Que ele, como as outras criaturas antigas, odiava seu povo.
Mas o homem apenas sorriu, satisfeito.
— A ilha já está a caminho da destrui??o — disparou. — Seria um presente… Já sofremos o suficiente, Selvagem.
Ele se virou para Oro, divertindo-se.