Assim que seus joelhos amea?aram ceder, a terra amoleceu sob suas botas. E o rugido do riacho surgiu à sua frente.
Suas pernas quase desmoronaram de alívio. Ela o empurrou para a água com toda a for?a que restava. Ele se mexeu por um segundo antes de ficar imóvel.
Ela se preocupou que fosse tarde demais, mas a água parecia conhecê-lo. Ela brilhou fracamente e come?ou a trabalhar. Ele come?ou a afundar, mas Isla manteve sua cabe?a fora da água. Segurou firme pelos ombros, a cabe?a em seu colo, o resto dele na água.
As mangas de sua camisa estavam dobradas. O azul-acinzentado que ele havia mostrado antes tinha se espalhado ainda mais, muito mais. Agora cobria todo o bra?o esquerdo, até a m?o. Tinha sido por isso que o corte o havia enfraquecido t?o rapidamente? Que o sal?o havia se partido ao meio durante o baile?
Isla continuou segurando-o, as pernas na corrente fria, por um longo tempo. Esperando. Esperando a ilha come?ar a desmoronar em volta dela, como no baile. As árvores caírem. Oro parar de respirar.
A água trabalhou intensamente, durante toda a noite. Devagar, bem devagar, o corte em seu pesco?o foi costurado, pele nova substituindo o corte. O sangue nela secou. Ela podia sentir em sua bochecha, cheirá-lo em seu cabelo, mas n?o se atreveu a limpá-lo. Apenas continuou segurando Oro.
E esperando.
Ela deve ter adormecido, porque sua cabe?a bateu no ombro. Sua coluna se endireitou, e o medo apertou seu peito. Ela havia largado Oro?
N?o. Ele estava lá. Ela n?o o largou. A ferida estava quase curada.
Ainda assim, seus olhos permaneciam fechados.
Um raio de luz come?ou a espreitar por entre as árvores. Os primeiros tra?os do dia, orvalhados, melosos. O primeiro pensamento de Isla foi que isso era bom. Talvez o calor fosse bom para ele, talvez ele pudesse pegar um pouco de for?a.
Mas o pavor apunhalou seu est?mago.
A maldi??o.
Isla tinha que o levar para dentro. Se a espada n?o o tivesse matado, o sol o faria. E a água n?o seria capaz de curá-lo.
— Oro — ela disse, sacudindo-o.
Ele n?o se moveu.
— Oro — ela gritou em seu ouvido. — O sol está nascendo. Temos que ir.
Seus olhos n?o se abriram.
A luz estava prestes a encontrá-los. Fazia linhas pregui?osas pela floresta, aparecendo por entre as árvores. O dia tinha quase nascido completamente.
Ele ia morrer. Ela ia vê-lo explodir em chamas, da mesma forma que tinha visto uma crian?a queimar até as cinzas no reino Solar anos atrás, indefesa, em uma de suas viagens com a varinha estrelar.
N?o.
N?o indefesa.
Ela viu uma abertura em uma montanha a seis metros de distancia. Uma caverna.
Isla n?o sabia se conseguiriam chegar lá antes que o rei virasse fogo. Ela n?o tinha ideia de como iria levá-lo.
Mas agarrou os ombros dele e o arrastou.
CAPíTULO TRINTA E CINCO
A CAVERNA
Era meio-dia quando o rei finalmente abriu os olhos. Isla estava curvada contra um canto da caverna, observando-o. Ainda coberta com seu sangue.
— Você me salvou — ele disse, franzindo a testa.
Ouvi-lo dizer as palavras a fez perceber o qu?o absurdo isso era. Oro era a pessoa mais poderosa em todos os reinos… e ela, uma governante sem poderes, o salvara.
Talvez ela realmente n?o fosse t?o impotente quanto pensava.
Ela deu-lhe um olhar.
— N?o sou t?o fraca quanto você pensa.
Ele n?o devolveu o olhar.
— Nunca achei que você fosse fraca.
Ela piscou. Ele n?o podia estar falando sério.
— Bem, acho que agora estamos quites.
Aquele dia na sacada parecia muito distante.
— Acho que sim.
Oro observou a caverna. Eles estavam na entrada, a luz amanteigada do sol derramando lá dentro, a apenas alguns metros de distancia. Essas listras de ouro quase o queimaram. Ela o havia arrastado para a sombra no último segundo.
Oro voltou a sua aten??o para o outro lado da caverna, os túneis que seguiam através do subsolo. Luzes azuis fortes iluminavam o teto como uma constela??o.
— Estamos debaixo de um cemitério Etéreo — disse ele rispidamente, e balan?ou a cabe?a na dire??o do brilho azul. — Larva luminosa. Elas comem os ossos.
Isla fez uma careta, o misticismo arrancado do lugar, mas ela se lembrou das palavras do homem alado.
— é um lugar onde a escurid?o encontra a luz?
Ele assentiu e estremeceu.
— Um dos poucos na Ilha do Céu. Quando o sol se puser, vou procurá-lo. — Ele pareceu perceber a confus?o de Isla sobre as informa??es do homem alado, porque falou: — Os Umbras de fato construíram a ilha, junto com Solares. Quando eles foram banidos de Lightlark, construímos em cima de suas terras, mas algumas partes, e algumas criaturas, ainda vivem no meio.
— Ent?o, este é o nosso plano — disse ela, precisando de confirma??o. — Vamos verificar todos os lugares da ilha onde Umbra e Lightlark se encontram? é lá que está o cora??o?
Ele inclinou a cabe?a dourada. A coroa estava coberta de lama. Os dois estavam imundos de terra e sangue.
— N?o s?o muitos. Especialmente com a Ilha da Estrela fora da lista, gra?as às informa??es do espectro. — Ele espregui?ou. — Além do cemitério, há apenas mais um lugar na Ilha do Céu que qualifica.
— E a Ilha do Sol?
— Eu mesmo vou procurar nesses locais.
Isla o encarou.
— Você mesmo?
Oro suspirou.
— Você realmente ainda n?o confia em mim?
Ela franziu a testa.
— Você confia em mim?
Oro n?o respondeu à pergunta. Em vez disso, ele disse: — Nunca quebro promessas. N?o quebro acordos por capricho. — Ele olhou para ela incisivamente.
Isla revirou os olhos.
— E a Ilha da Lua?
— Existem alguns, mas será o último lugar que verificaremos.
— Por quê?
— Porque Cleo mantém sua ilha fortemente monitorada, e se ela achar que estamos procurando algo por lá, vai tentar encontrá-lo sozinha.
Oro estava comunicativo de uma forma fora do comum. Ela precisava obter todos os detalhes que conseguisse.
— Ent?o quantos lugares ainda restam, onde a escurid?o encontra a luz?
— Oito.
Oito. N?o era muita coisa. Esperan?a floresceu no peito de Isla.
— N?o fique muito animada — disse ele, franzindo a testa. — Há riscos.
Isla n?o se importava. Eles tinham uma boa estratégia e um número razoável de lugares onde procurar. Ainda assim, algo a deixou desconfortável.
— O plano é todo baseado no que os outros disseram. O espectro. O homem alado. — Ela engoliu em seco. — Já lhe ocorreu que eles possam estar mentindo?
— Eles n?o podem mentir para mim — disse Oro simplesmente.
Isla n?o sabia o que isso significava. Porque era rei de Lightlark e seus súditos n?o podiam mentir para ele? Ela com certeza podia. E tinha mentido.
Ela fez outra pergunta, já que parecia que ele estava disposto responder.
— A profecia do oráculo diz que o crime original deve ser cometido novamente para quebrar as maldi??es. Você acredita que o crime original foi usar o cora??o de Lightlark, n?o é? Usar o poder dele?
Oro a olhou e assentiu.