Ent?o era por isso que ele precisava do cora??o. Para cumprir parte da profecia.
— Você disse que, quando o Solar e o Umbra criaram Lightlark, eles prenderam um pouco de seu poder no cora??o. — Os olhos dela se arregalaram, se dando conta. — Foi por isso que você convidou Grim para o Centenário pela primeira vez — completou, as palavras saindo da boca em borbot?es. — Você n?o acha que tenha sido ele ou outra pessoa de Umbra que lan?ou as maldi??es. Acha que alguém usou o poder Umbra preso no cora??o para lan?á-las.
Oro assentiu novamente. Algo em seus olhos, um brilho, parecia quase impressionado.
Ela ergueu o queixo.
— Isso significa que você n?o sabia que o cora??o existia até depois do último Centenário. Ou ent?o você teria convidado ele para os anteriores.
O silêncio de Oro confirmou isso, mas sua express?o ficou cautelosa.
— Você deve ir — ele disse, sem encontrar seus olhos. Ele estava preso lá até o anoitecer… mas ela poderia sair em qualquer momento.
Isla apertou os lábios secos. Parte dela queria correr para a superfície. Tomar um banho e lavar o cabelo grudado com sangue no rosto, a lama que cobria suas roupas, a camada de terra na pele.
Outra parte queria mais informa??es. O rei nunca tinha sido t?o aberto assim antes, e Isla tinha mais uma pergunta que precisava de resposta.
— Vou esperar com você — ela disse.
Oro piscou, surpreso. Ent?o franziu a testa com irrita??o. Ela cerrou os dentes… miserável. O rei ficou tenso enquanto passava um dedo pelo pesco?o, fazendo uma linha pelo sangue seco.
Ela lan?ou um olhar para a luz na entrada da caverna, um tapete dourado no ch?o.
— Parece que vamos ficar aqui por mais um bom tempo — ela disse. — Vamos fazer uma brincadeira.
— Uma brincadeira — ele repetiu sem emo??o.
Isla assentiu, implacável.
— Um jogo de perguntas, eu e você. Eu respondo uma. Depois você. Com sinceridade.
Ela esperava que Oro fosse dizer que a brincadeira era idiota, ou talvez até mesmo decidisse enfrentar a escaldante luz do sol em vez de passar outro segundo preso com ela, mas ele encostou a cabe?a na parede e olhou para ela, o queixo erguido.
— Tudo bem, Selvagem. Você come?a.
Ela corrigiu a postura. A pergunta mais importante atravessou sua mente, mas ela n?o podia perguntar. Ainda n?o. Tinha que come?ar pequeno.
— Seja sincero. Nunca se cansa de usar dourado?
Oro deu a ela um olhar que dizia: é isso que quer me perguntar?
Ele suspirou.
— Sim, Selvagem. Embora eu possa usar azul, branco ou prata se eu quiser.
Certo. Ele era um Original, podia usar cores de todos os reinos de que possuía poderes. Ela se perguntou se usava outros tons fora do Centenário.
— Sua vez.
Ele a analisou por alguns momentos.
— Como é a sua vida na nova terra Selvagem?
N?o era a pergunta que ela esperava, mas era uma pergunta fácil, e Isla ficou grata por isso.
— Era…
Ela abriu a boca. Tinha uma resposta pronta, sobre como era maravilhosa e emocionante.
Mas havia prometido ser sincera.
Isla queria que ele confiasse nela, para que pudessem encontrar o cora??o e quebrar as maldi??es dela e de Celeste.
O que, por sua vez, significava confiar nele também.
— Era horrível. — Isla olhou para o ch?o, correndo os dedos pelas manchas ásperas. — Eu amo minhas tutoras, elas s?o minha única família. — Ela respirou fundo. — Mas… — Apertou os olhos, sem saber como dizer isso. Encontrou o olhar dele e deparou com ele observando-a atentamente. — Já se sentiu como um pássaro em uma gaiola?
Ela esperava que ele zombasse dela.
Mas Oro acenou com a cabe?a, apenas um leve movimento de seu queixo erguido.
— Todos os dias pelos últimos quinhentos anos.
é claro. Sua existência limitada trancada no castelo Selvagem n?o era nada comparado aos séculos que Oro havia suportado.
— Quem te prendeu? — ele perguntou, embora n?o fosse a vez dele.
Isla estremeceu, ent?o xingou a si mesma por sugerir este jogo. Por que alguém com tantos segredos faria uma coisa dessas? Ele n?o tinha ideia qu?o perto sua pergunta estava da verdade… t?o perto de desvendar todas as mentiras que havia construído como uma fortaleza ao redor dela e de seu reino.
— N?o estou presa… só… protegida.
Oro n?o insistiu no assunto, para seu alívio. Ela se apressou em fazer sua próxima pergunta.
— Você já se apaixonou?
Sua resposta foi imediata.
— N?o.
— Por que n?o?
— Reis de Lightlark n?o se apaixonam. Isso nos torna vulneráveis. Nosso poder fica desprotegido. — Ele olhou para ela. — Suponho que sejamos parecidos nesse sentido… em nossa incapacidade de ter essa experiência.
Por causa da maldi??o dos Selvagens.
— Acho que sim. — Ela pensou em Grim. As m?os dele em seu vestido. Agarrando-a para si. N?o era a vez dela, mas tinha que saber. — Você acha que é possível um governante amar outro governante? De verdade, sem qualquer objetivo escuso?
— N?o. — Ele balan?ou sua cabe?a. — N?o de verdade.
Parte dela murchou por dentro, mas ele tinha que estar errado. Só porque ele nunca tinha experimentado o amor n?o significava que n?o era possível.
— Ent?o seu irm?o n?o estava realmente apaixonado pela noiva?
Oro deu de ombros.
— Egan amava Aurora, mas n?o dessa forma.
— Como você sabe?
Oro encontrou seu olhar.
— Eles n?o compartilhavam habilidades. — Apaixonar-se significava compartilhar o acesso ao poder com seu amado. Era o que tornava t?o perigosa a paix?o entre governantes.
— Sua vez — ela disse baixinho. Ela havia feito várias perguntas de uma vez e ficou surpresa por ele ter respondido.
— Você conhecia Grim antes do Centenário?
Isla congelou com a men??o dele, como se Oro o tivesse arrancado de seus pensamentos. Ela disse a verdade: — N?o.
Ele a olhou estranho.
Ela revirou os olhos.
— N?o estou trabalhando com ele contra você, n?o se preocupe. — Era verdade.
A express?o de Oro tornou-se algo que ela n?o esperava… alívio misturado com surpresa. Isla mudou de assunto imediatamente.
— Qual é a sua parte favorita de Lightlark?
Ele co?ou um lado da cabe?a, logo abaixo da coroa.
— Existe um trecho isolado de praia na Ilha do Sol, ao longo de um penhasco… Com rochas gigantes na água que chiam quando o mar as atinge. — Ele ergueu o olhar, encarando o teto. — O mar tem uma sombra estranha lá… verde-escura. A cor dos seus olhos.
Isla pensou na palavra estranha usada para descrever seus olhos, mas murmurou: — Parece bonito.
Seus bra?os esticaram sobre a cabe?a.
— Seu canto — ele disse, apenas.
Isla piscou. Parte dela tinha esquecido que ele a tinha ouvido cantar, tantas semanas atrás.
— O quê?
Ele encolheu os ombros.
— Conte-me sobre isso.
Isla olhou para a entrada da caverna. A luz do sol ainda brilhava forte.
— Me acalma. Algo em que sou boa desde que nasci, sem nem tentar.