Lightlark (Lightlark, #1)

Isla sentiu tudo mais uma vez, água a cantaros, mas já estava molhada e com frio. Seus olhos ficaram colados em Grim enquanto ele caminhava até a borda do precipício. Suas costas estavam tensas, a capa colada nos ombros, os músculos se retraíram.

Rápido como um relampago, ele se virou, a m?o a sua frente, e a escurid?o irrompeu em uma linha violenta, uma parede de tinta que ondulava como água, pontiagudas como chamas. Passou direto por ela, a centímetros de seu rosto. Ela trope?ou para trás, a for?a daquilo quase a fazendo cair.

T?o rapidamente quanto havia atingido, a escurid?o se dissolveu. Isla tomou um f?lego instável. Nos lugares que a noite tocou, a vida foi levada embora. A grama estava carbonizada e emaranhada; árvores foram reduzidas a cascas que se transformaram em cinzas bem diante de seus olhos.

Se esse poder tivesse sido liberado em um humano, ela imaginava que a pele derreteria de seus ossos. E os ossos lascariam e rachariam até virarem poeira ao vento.

Isso era pior do que fogo.

A escurid?o de Grim n?o deixou nada para trás.

Ele tinha voltado para o penhasco, a m?o fechada em um punho ao seu lado. A m?o que exercia um terrível, terrível poder.

Grim ficou imóvel enquanto ela passava dois dedos sobre a parte de trás daquela m?o. Indo contra seus próprios princípios, ela disse: — Mostre-me mais.

E ele sorriu.

E a agarrou pela cintura.

Eles dispararam do penhasco, para a areia abaixo, e, desta vez, Isla n?o gritou. Porque, de alguma forma, eles tinham perdido a metade do salto.

O mar espumava e rugia como um animal enlouquecido na tempestade, nuvens borbulhando e se agitando acima, fundindo-se ao formar um degradê cinza. Ela n?o conseguia ver onde o oceano terminava e o céu come?ava. Os dois rodando, girando como um redemoinho, desesperados para se tocar.

Isla estava perto o suficiente de Grim para ouvi-lo na chuva, sobre o vento que soprava do mar, a?oitando cada centímetro de pele exposta e deixando-a dormente. Ela ainda tinha sua coroa na m?o e, por um momento, considerou simplesmente jogá-la no oceano furioso, perguntando se isso resolveria seus problemas.

— Devoradora de Cora??es — disse ele.

Ela olhou para ele, apenas para ver algo peculiar em sua express?o.

Parecia preocupado. Devastado.

Preocupado que ela se encolhesse diante da terrível demonstra??o de sua habilidade? Que ela o odiasse pelo que ele era?

Ela se lembrou de suas palavras.

Eu sou o monstro.

Parte dela tinha medo disso.

Mas n?o tinha medo dele. Mesmo que parte dela gritasse que devesse ter.

— Diga-me como estou me sentindo — ela sussurrou. Ela podia tentar ao máximo controlar seus pensamentos, suas a??es, mas se o Umbra tinha ensinado alguma coisa era que suas emo??es eram muito mais difíceis de controlar.

Chuva escorria de seu cabelo e em suas bochechas.

Ele engoliu em seco, analisando-a.

— Você está… curiosa.

Ela apontou para os arredores e deu de ombros. Tinha pedido que ele mostrasse mais.

— E ent?o?

Em vez de sorrir novamente, a express?o de Grim ficou séria. O oceano se curvou com uma onda gigante que atingiu a crista diante deles e desmoronou em penhascos a poucos metros de distancia. De repente, a boca dele estava em seu ouvido.

— Eu poderia abrir um buraco negro que engoliria a praia inteira. Poderia tornar o mar escuro como tinta e matar tudo que há nele. Poderia demolir o castelo, tijolo por tijolo, de onde estamos. Eu poderia te levar de volta para as terras Umbras comigo agora mesmo. — Sua voz era profunda como um sonho, escura como um pesadelo. — Eu poderia fazer todas essas coisas. — Seus lábios pressionados contra o ouvido dela, só por um instante. — E eu o faria, se n?o achasse que você me odiaria por isso.

Os ombros e os dedos de Isla tremeram; por causa do frio, da chuva, da proximidade dele, ou das proclama??es de Grim, ela n?o tinha certeza. Ela olhou para baixo, para seus corpos pressionados um no outro. Apenas o tecido frágil e encharcado entre eles. Vestido vermelho contra preto, uma rosa mergulhada na meia-noite. Como chá na água em ebuli??o, a escurid?o ainda vazava dele, ao redor dele, em fitas que a al?avam antes de recuar.

— Por que se importa com o que eu penso? Você mal me conhece.

As sombras de Grim brilharam, embora sua express?o n?o tivesse mudado.

— Conhe?o o suficiente — disse ele.

— E a história de ficar longe de mim?

Seus lábios estavam bem acima dos dela agora, suas palavras praticamente no canto de sua boca.

— Honestamente… eu tentei — disse ele. — Mas… acontece que n?o sou t?o honesto assim.

Isla pulou para longe dele, com medo do que ela poderia fazer se ficasse t?o perto, perto o suficiente para sentir o poder que emanava dele, perto o suficiente para que ele encostasse nela, t?o forte quanto o vento. Era esplêndido.

Mas ela era uma tola. Ele tinha sido inconstante por uma raz?o. Tinha seu próprio plano.

Eu acho que, na verdade, ele vai usar você. Nós.

Grim deu um passo para trás. Outro. As sombras ao seu lado se encolheram, sibilando sobre a chuva.

— Você está com medo — ele disse.

Ela n?o sabia mais o que fazer, ent?o assentiu. Porque ela estava aterrorizada. Apavorada com a forma como seu cora??o estava batendo descontroladamente, de como sua cabe?a estava t?o enevoada e nublada quanto o céu acima.

Seu povo merecia mais do que ela, uma líder inventada que estava naquele exato momento jogando fora a salva??o de todos.

O que ela estava fazendo?

O que ele estava fazendo?

Ele deve ter sentido todas as suas emo??es, o medo combinado com a confus?o e desejo e vergonha. Porque ele disse: — Vamos voltar para o castelo.

E toda a escurid?o e sombras caíram aos seus pés antes de serem lavados pela chuva.





CAPíTULO TRINTA


ESPECTRO





Na quadragésima terceira noite do Centenário, o rei enfim bateu a sua porta novamente.

Ela abriu e o olhou de cima a baixo.

— Faz oito dias — disse ela.

Ele estava inexpressivo.

— Demorou cinco para encontrá-la. Dois para persuadi-la para fora do esconderijo. Um para fazer um acordo.

Isla o encarou, pensando se podia confiar nele. Pensando se ao menos tinha escolha. Ela havia passado os últimos dias tentando encontrar outra maneira de entrar na biblioteca da Ilha do Sol, sem sucesso.

Parte dela considerou simplesmente entrar, sem um convite, sem disfarce, deixando que o rei tirasse suas próprias conclus?es. Ela havia proposto esse plano para Celeste, que havia respondido um dia depois, com más notícias.

A biblioteca da Ilha do Sol é fortemente vigiada e monitorada, ela disse depois de perguntar por aí. Também está sempre cheia. Seria impossível procurar pelo desvinculador sem ser notada.

Ela precisava que o rei concedesse um convite n?o monitorado. O que significava ganhar sua confian?a.

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