Você está em perigo, dizia.
O quê? Isla se virou, procurando quem lhe dera o aviso. Viu um homem de capa branca atravessando o mercado de cabe?a baixa. Só podia ter sido ele.
Um Lunar?
Ela n?o ia parar para resolver o enigma de quem poderia querer prejudicá-la. Havia muitas pessoas nessa lista.
Em vez disso, resolveu seguir quem havia lhe passado a mensagem.
Tinha música tocando nas ruas, um quarteto que, sem dúvida, havia sido contratado para deixar todos animados para o baile. As lojas mantinham as portas abertas, e os meninos e meninas gritavam promo??es: Oferta especial! Dois pares de luvas pelo pre?o de um! Chapéus de primeira para ilhéus de primeira!
Isla correu pela multid?o, empurrando pessoas fazendo compras, segurando pilhas de embrulhos com fitas, crian?as com sorvetes de casquinha. Ela sussurrava desculpas que eram recebidas com arfares assustados, e quase colidiu com uma carro?a de frutas maduras e castanhas recém-torradas, mas lá, muito à frente, ela viu. Um brilho de tecido branco, desaparecendo em uma esquina.
Celeste apareceu subitamente no caminho, seguindo para a loja Estelar. Os olhos de sua amiga se estreitaram em confus?o quando Isla passou correndo, sussurrando:
— Já volto.
E foi embora sem esperar resposta.
Com os bra?os bem perto do corpo para escapar pela estrada movimentada, Isla se moveu como uma fita ao vento, os pés encontrando espa?os livres na cal?ada, o corpo preenchendo vazios entre o mar de gente. Instantes depois ela virou naquela mesma esquina, para uma rua quase vazia. Tanto que ela conseguiu ver o Lunar correndo para longe, o rastro da capa ondulando na brisa.
A ruela sinuosa do mercado descia pelas montanhas em vez de subir. O ar estava pesado com salmoura, peixe e maresia. Os paralelepípedos pedregosos estavam molhados sob seus sapatos, e ela quase escorregou na pressa de alcan?ar o Lunar.
Ela virou outra esquina… E ele tinha sumido.
Lenta demais. Ela o perdera de vista. O mar estava próximo. Estava nas ruínas do que devia ter sido um porto centenas de anos antes, quando a ilha n?o estava presa em sua maldi??o.
Isla se obrigou a ficar quieta, recusando-se a desistir. Ela olhou em volta, apertando os olhos, procurando um som ou uma ondula??o de tecido.
Ela se virou na outra dire??o e encontrou. A ondula??o da capa branca, desaparecendo atrás de um navio que, de alguma forma, havia chegado à terra firme. Parecia uma baleia encalhada, virada de lado.
Isla deu um passo e ofegou.
Correntes vindas do nada prenderam seus punhos e tornozelos.
A lamina fria de uma espada foi pressionada firmemente contra sua garganta.
— Isso foi um pouco fácil demais — disse uma voz grave em seu ouvido. Isla puxou contra as correntes e descobriu que n?o eram correntes. Eram água tran?ada, firme como uma onda turbulenta, forte como a maré.
Mais cinco homens saíram de onde estavam escondidos, atrás de antigas casas de barcos e navios sem acesso à água. Usavam ternos extremamente brancos, com diamantes no lugar do bot?o superior das camisas.
Nobres Lunares. Ela os reconheceu das demonstra??es.
Um grunhido escapou de sua garganta. Ela se tornou um pouco mais da fera que acreditavam que fosse.
E aí a pessoa de capa branca apareceu, e Isla arreganhou os dentes para ela, seu olhar prometendo violência. A figura nem lhe lan?ou um olhar antes de receber um punhado de moedas e escapar.
Uma armadilha. Ela havia sido enganada.
Idiota.
N?o. Eles eram os tolos.
Ela levantou o queixo e disse, com todo o veneno que conseguia reunir:
— Soltem-me, e terei um pouco de compaix?o. Do contrário, todos ver?o o que acontece quando alguém tenta prender um Selvagem.
Os homens apenas sorriram.
— Selvagem, mesmo presa — disse um. Seu cabelo branco estava penteado para trás, e ele segurava cuidadosamente uma bengala com uma ponta de cristal, embora fosse óbvio que n?o precisava dela. Ele apontou a bengala na dire??o de Isla, e as correntes de água a apertaram mais forte, for?ando-a a ficar de joelhos. Ela fervia de raiva enquanto a dor atingia os ossos e sua pele era rasgada pelo ch?o de pedra úmido. — Mas mesmo coisas selvagens podem ser domadas… e enjauladas. Conte-me, Selvagem. Vai implorar por sua vida?
Agora, era sua vez de rir.
— Ent?o, sua governante enviou vocês para fazerem o trabalho sujo?
Ainda n?o era o quinquagésimo dia. Ou Cleo tinha contornado as regras, n?o exatamente ordenando o assassinato de Isla… ou a governante Lunar n?o se importava em quebrar as regras. Talvez n?o estivesse atrás do poder prometido, afinal.
Lá se vai a teoria de Oro de que Cleo n?o a mataria só porque n?o gostava dela. Embora, para ser justo, o fato de Isla ter se infiltrado na biblioteca da Ilha da Lua provavelmente tivesse mais a ver com isso.
O Lunar com a bengala ficou tenso, insultado. Os outros se encararam, e isso disse a Isla o suficiente. Cleo podia n?o os ter enviado para assassiná-la, o que seria uma viola??o direta às regras, mas seus esfor?os foram autorizados.
— Sinto muito — disse um dos homens, surpreendendo Isla e, aparentemente, o resto de seu grupo. — Mas o Centenário n?o é apenas um jogo para os governantes. Um dos reinos deve cair. E temos famílias… — Ele balan?ou a cabe?a. — N?o queremos que seja a gente.
Ela entendia. O Centenário era um jogo mortal com muitos jogadores e graves consequências.
De toda forma, ela cuspiu nos pés do homem.
— Já chega. — Isla foi puxada pelo homem atrás dela, a espada ainda contra sua garganta. — Diga adeus, Selvagem — ele murmurou em seu ouvido, puxando a lamina para trás para um corte limpo e claro.
Isla puxou as correntes aquosas com toda a sua for?a, para escapar, mas seus esfor?os n?o significavam nada contra o poder Lunar.
Na floresta do Continente, Isla pensou que nunca havia desejado tanto os poderes dos Selvagens. Ela estava errada. Agora, ela n?o só queria os poderes, ela precisava deles.
Palavras passaram por sua mente, as últimas que ela pensaria:
Tarde demais. Fracasso. Impotente. Se ao menos…
Antes de terminar, ela ouviu outra palavra.
— Adeus — disse uma voz, parando a lamina a apenas um centímetro de distancia da garganta de Isla.
E o homem foi arremessado pelo ar.
Celeste fechou o punho e as correntes de água se soltaram, desaparecendo em uma confus?o de faíscas prateadas. Ela devia tê-la seguido. Um dos nobres arremessou uma onda de mar na dire??o dela, e a Estelar deu meia-volta para enfrentá-lo com um fluxo de energia.
Sem as correntes, Isla estava livre. Estendeu as m?os para alcan?ar seus punhos e soltou as pulseiras, que se transformaram em facas de arremesso. Ela as lan?ou com facilidade, encontrando seus alvos.
Dois cora??es Lunares.
Os homens caíram no ch?o e Isla se virou, sendo atingida por uma onda de poder.