Seu grito ecoou pela floresta; ela podia jurar que retumbou pelas árvores. Suas folhas trêmulas soavam quase como risadas.
Ela nunca se odiou mais por ter nascido sem poderes quanto naquele momento. Se fosse uma verdadeira governante Selvagem, poderia controlar cada centímetro da mata. As plantas nunca a teriam machucado. Teriam ajudado.
Sua m?o tremia quando ela pegou o espinho ensanguentado e o largou no ch?o.
Só faltavam mais dez, se sua contagem enquanto Oro a libertava do espinheiro estivesse correta.
O rei estava de volta, agachado ao lado dela.
Seu bra?o inteiro tremeu quando ela se curvou para trás, procurando o próximo.
— Eu disse para você ir procurar...
— Eu procurei — disse ele. — Nada de cora??o.
Lágrimas rolaram por suas têmporas, a cabe?a inclinada. Tudo isto… por nada.
— Você pode... você pode ir — disse ela, fechando os olhos com for?a.
Alguns segundos se passaram. Ela n?o o ouviu se mover e se perguntou se Oro havia simplesmente voado para longe daquele jeito silencioso dele.
Mas, quando abriu os olhos, estava ali, franzindo a testa para suas costas, que estavam em um estado deplorável.
Oro se aproximou dela, o que fez Isla se encolher. Ele levantou a palma das m?os. Uma oferta de paz.
— Os espinhos s?o todos seus — disse ele, os olhos claros. Razoável. Ele fez um gesto em dire??o às dezenas de espinhos cobrindo seus bra?os, finas linhas vermelhas escorrendo deles como lágrimas de sangue. — Vou tirar esses. — Ela come?ou a balan?ar a cabe?a. — é mais rápido — adicionou. — Quanto mais cedo isso terminar, mais cedo poderemos retomar nossa busca.
Ele tinha raz?o. Isla imaginou que poderia deixá-lo ajudar se isso significasse completar a miss?o e sair daquela floresta perversa.
— Tudo bem — sussurrou.
As m?os dele eram quentes na sua pele, mas também surpreendentemente gentis enquanto arrancava os espinhos, um por um. Cada um seguido por uma pontada de dor.
Mas nada comparado aos espinhos das costas.
Ela encontrou outro com a m?o. Retirou. Gritou contra os joelhos.
Outro. Era curvado, a apenas um centímetro da coluna. Ela puxou, e um solavanco estremeceu todo o seu corpo, agulhas perfurando os ossos, veneno nas veias. Com o susto, ela mordeu com for?a a língua, e um som animalesco escapou da garganta. Imediatamente, o sangue formou uma po?a na boca e pingou no ch?o.
— Aqui. — Subitamente, Oro estava oferecendo a ela algo para morder. — Vai arrancar sua língua — explicou. — Já vi acontecer antes; tem que ter algo na boca para isso...
Isla puxou outro espinho, sabendo que era impossível sentir mais dor do que estava sentindo agora.
Mas estava errada. A dor dobrou, triplicou, e Isla mordeu com for?a o que ele oferecia.
De novo.
De novo.
Seus olhos estavam fechados com tanta for?a que a cabe?a doía. A consciência dela ia e vinha, mas Isla retirou sozinha cada um dos espinhos.
Só quando terminou e se recostou em uma árvore foi que ela percebeu que estava mordendo a m?o de Oro. A carne estava coberta de marcas de mordida. Ela havia perfurado a pele dele em vários pontos.
Estava cansada demais para sentir vergonha. Tudo o que podia fazer era se concentrar na própria respira??o enquanto Oro usava um cantil de água e suas habilidades Lunares para curar as feridas.
Quando ela parou de sangrar, estava na hora de ir embora. O amanhecer estava se aproximando.
— E agora? — ela perguntou, a voz mal soando.
Antes do ataque da parede de espinhos, ela já havia terminado de procurar nas árvores. Presumiu que Oro também tivesse terminado. Estava claro que o cora??o n?o estava naquela floresta.
Ele trincou os dentes.
— Há muitos lugares com as plantas que você indicou. Eu pensei que, por causa da quantidade, nós...
Teríamos sorte foram as palavras que ela completou mentalmente.
Isla quase quis rir. Ou chorar.
Se houvesse alguma sorte no mundo, ela e o rei nunca a encontraram.
Oro balan?ou a cabe?a.
— Tenho outro plano. Um que eu esperava n?o ter que usar. — Ele a encarou. — Sabe aquelas criaturas antigas que eu mencionei?
Ela assentiu.
— Bem — disse ele —, acho que é hora de visitar uma delas.
CAPíTULO VINTE E SETE
O PORTO
Fazia cinco dias que Oro n?o batia à porta de Isla. Devia estar tentando encontrar a tal criatura antiga, para fazer um acordo que garantisse sua seguran?a.
— Será que uma dessas criaturas antigas realmente tentaria ferir o rei de Lightlark? — ela perguntou na ocasi?o.
— N?o tenho como ter certeza — ele disse —, mas certamente n?o hesitariam em machucar você.
Isla tinha ficado grata pela pausa. Oro havia curado Isla com seus poderes Lunares, mas seu corpo parecia ter desistido de viver por dois dias depois que retornaram ao castelo. Estava destruída. Exausta. Quebrada.
Mas sua mente nunca esteve t?o clara.
Seu encontro com os espinhos só a fez desejar ainda mais o fim das maldi??es. N?o apenas pela liberdade… mas pelo poder.
Nunca mais plantas a machucariam. Nunca mais ela se sentiria inútil contra elas.
Depois do terceiro dia, quando estava pronta para a próxima miss?o e ainda n?o tinha recebido notícias do rei, come?ou a se preocupar.
Ele havia decidido que uma Selvagem vulnerável a plantas n?o seria muito útil? Havia decidido seguir o plano sozinho?
Ela se recusou a ficar sentada no quarto esperando que ele fosse buscá-la. Se o plano dele havia mudado, o delas também mudaria. Precisava falar com Celeste.
Isla colocou um bilhete embaixo da porta da Estelar, pedindo que se encontrasse com ela na pra?a. Como n?o eram uma dupla, ela pensou que precisavam come?ar a formar uma amizade superficial diante dos ilhéus, para que, caso fossem vistas juntas, eles n?o desconfiassem. A ideia era se encontrarem por acaso na loja de armas Estelares. Isla precisava de uma adaga, uma que n?o tivesse dupla fun??o estética.
Mas, mais do que isso, precisava conversar com a amiga.
Ela esteve t?o concentrada em seu trabalho com Oro que quase tinha se esquecido de que a Estelar havia sido for?ada a passar um tempo com Cleo. Como tinha sido? Celeste era do tipo que evitava dividir coisas para n?o causar preocupa??o, mas Isla queria que a amiga contasse com ela tanto quanto podia contar com Celeste.
A pra?a estava mais movimentada do que antes, vendedores enchendo as vitrines com seus melhores produtos: chapéus de seda, luvas cobertas de cristais, vestidos t?o volumosos quanto os doces e p?es expostos ao sol nas vitrines da padaria das proximidades. Tudo em prepara??o para o baile.
Faltavam apenas dez dias.
Dez dias até que a matan?a fosse permitida.
Dez dias para descobrir onde ficava a biblioteca da Ilha do Sol.
Dez dias para encontrar e usar o desvinculador.
Dez dias para quebrar as maldi??es e sair da ilha.
Isla parou em frente à loja Estelar. Quando estava prestes a entrar, alguém lhe deu um esbarr?o.
Estranho. Normalmente os ilhéus passavam bem longe dela, como se sua pele fosse venenosa.
Ent?o sentiu o bilhete que havia sido colocado na palma da sua m?o.
Era um pedacinho de papel. As palavras a fizeram congelar.