Com as infinitas lareiras dentro do castelo, as tochas por todo o Continente e aquela demonstra??o, o rei tinha uma clara obsess?o em garantir que o fogo estivesse em toda parte. Era porque ele representava seu governo? Seu reino?
Oro permitiu à multid?o mais alguns momentos inspecionando as esferas de fogo, jogando-as no ar, maravilhando-se com seu calor, a luz como uma centena de vaga-lumes iluminando a arena, antes de fechar a m?o e abafar as chamas.
A luz das esferas ficou fraca e apagou, exatamente como ele disse que aconteceria.
Aplausos pareciam acompanhar tudo o que Oro fazia, e nessa demonstra??o n?o seria diferente.
— Grimshaw — foi o próximo nome que Isla falou.
O Umbra ro?ou-a ao passar. Uma onda de frio dan?ou por seu bra?o ao mais leve toque do governante.
Ela precisava se recompor.
A multid?o ficou em silêncio, mas todos estavam evidentemente curiosos sobre o que o Umbra iria mostrar. Seu reino tinha sido um mistério desde que criaram sua própria fortaleza. Eles eram o inimigo durante a guerra. Mesmo com o tratado de paz, a desconfian?a reinava. Muitos, Isla imaginou, ainda acreditavam que o povo de Grim era responsável pelas maldi??es.
E talvez fosse.
Grim parou no centro da arena. Ele olhou de volta para os rostos curiosos, virando-se para eles para que tivessem uma vis?o clara.
— Meu reino n?o tem nada produtivo para oferecer a vocês.
E foi embora.
Silêncio. Sussurros.
Isla sentiu seu rosto esquentar. De raiva? Surpresa?
Ela dera a ele tempo mais do que suficiente para se preparar para a demonstra??o. Contrariando seu bom senso, pelas costas da amiga… E ele tinha feito chacota disso.
Havia chegado de m?os vazias de propósito.
Por quê?
O Umbra teve a coragem de caminhar diretamente até ela em seu caminho de volta aos bastidores e dizer:
— Você é a próxima, Devoradora de Cora??es.
E sumiu nas sombras.
Dem?nio. Monstro.
Ela se endireitou. N?o se deixaria aborrecer. Decerto era o que ele queria.
Isla n?o se preocupou em anunciar seu nome enquanto se preparava. Precisava de uma coisa.
Do rei.
— Poderia fazer fogo? — ela lhe pediu.
Por um momento, Oro apenas franziu a testa. Isla se perguntou se ele iria ignorá-la, ou se recusar, e ela teria que pedir ajuda a algum outro Solar. Como se fossem ajudá-la...
Ent?o, com um movimento mínimo do punho, uma coluna de fogo apareceu no centro da arena.
— Obrigada — disse firmemente.
Ele n?o acenou com a cabe?a nem sequer a olhou. Isla seguiu em dire??o às chamas.
Todos os olhos estavam nela. Isla já deveria estar acostumada com isso, mas o escrutínio era como mil facas viradas em sua dire??o.
Ela tirou um frasco do bolso, o vidro em forma de cora??o. Ele continha um líquido espesso e vermelho como sangue.
— Os Selvagens desenvolveram remédios avan?ados de cura — disse ela, segurando o recipiente para todos verem.
Agora, ela só precisava demonstrar sua potência.
Antes que perdesse a coragem, assim como tinha feito meia dúzia de vezes antes na prepara??o, Isla respirou fundo.
E enfiou o bra?o inteiro nas chamas.
Gritos. Gritos de horror. A multid?o arfou, horrorizada, enquanto a pele de Isla carbonizava. Derretia.
Ela n?o vacilou. Mesmo que a dor amea?asse engoli-la inteira. Seu bra?o tremeu no fogo. Sua outra m?o estava fechada com tanta for?a que as unhas arrancaram sangue da palma.
Só mais um pouco.
Lágrimas brotaram nos cantos dos olhos, e Isla levantou a cabe?a, querendo que n?o caíssem. Ela deveria parecer triunfante para o público.
Indolor.
Mas n?o era a verdade.
Sem ser capaz de aguentar mais tempo sem cair de joelhos e se desesperar na frente de todos, ela tirou o bra?o.
A pele havia se soltado em espirais, deixando apenas um vermelho raivoso.
A aparência, o cheiro, era tudo repugnante. Seu est?mago revirou; mais um pouco e Isla vomitaria.
Ela tirou a tampa do frasco com os dentes, os lábios tremendo incontrolavelmente. Ent?o derramou até a última gota do líquido sobre as queimaduras.
Diante de seus olhos, e dos de toda a plateia, a pele acalmou. Consertou-se novamente. Cresceu de volta até que seu bra?o ficou exatamente como era alguns momentos antes.
N?o havia nenhuma marca do fogo.
A dor n?o tinha desaparecido, nem de longe, mas Isla manteve qualquer sinal dela longe do rosto quando abaixou a cabe?a, sinalizando o fim de sua demonstra??o.
Ninguém aplaudiu. Mas n?o era necessário. Isla podia ver o deslumbramento no rosto de cada um.
Lunares eram os únicos em Lightlark que deveriam ser capazes de curar, usando água. Se as informa??es que Celeste recebeu dos nobres e o que Isla ouvira de Ella fossem verdade, eles tinham come?ado a controlar o uso de suas habilidades pela ilha. Cobrando demais, curando cada vez menos.
Como se quisessem que o resto da ilha ficasse mais fraca.
Isla tinha acabado de provar que outra pessoa poderia fazer o que eles faziam. Talvez melhor ainda. O que, ela sabia, só faria Cleo odiá-la ainda mais.
No final, Azul venceu.
Alguns diriam que a decis?o n?o foi justa, mas o jogo também n?o era.
CAPíTULO DEZESSEIS
SOMBRAS
Apele de Isla ainda estava dolorida naquela noite. Ela se encolheu enquanto baixava lentamente a al?a fina do vestido pelo bra?o, reclamando por n?o ter usado um vestido diferente.
Depois havia o zíper. Normalmente precisava das duas m?os para alcan?á-lo, por conta de sua posi??o.
— Se você precisar de ajuda para se despir, permita-me oferecer meus servi?os, Devoradora de Cora??es.
Ela pulou ao som da voz profunda, ent?o se virou.
Grim estava sentado em uma cadeira coberta pelas sombras, quase totalmente escondido. Ele inclinou-se para a frente, com os cotovelos nos joelhos, os olhos trilhando seu ombro agora nu, a al?a abaixada. A parte superior do vestido escorregava ligeiramente para baixo...
Ela endireitou o tecido com o bra?o machucado e ent?o gemeu, a onda de dor estalando como relampagos atrás dos olhos.
O elixir Selvagem podia tê-la curado, mas n?o era avan?ado o suficiente para aliviar completamente a dor. Era acabar com a dor ou curar — uma coisa ou a outra. Claro, os governantes e ilhéus n?o precisavam saber disso.
Por isso que era t?o importante Isla nunca vacilar, nunca deixar ninguém perceber sua dor.
Foi por isso que Terra e Poppy a fizeram praticar, de novo e de novo, até ficar perfeito.
— Como chegou aqui? — ela exigiu, a voz mais aguda do que gostaria. Ele era t?o grosseiro. T?o insinuante. Ela poderia afirmar que odiava aquilo.
Mas n?o odiava.
Ela se odiava por n?o considerar as palavras dele repulsivas.
Grim deu de ombros.
— Pelas paredes.
é claro.
Isla lembrou-se de sua demonstra??o. A raiva substituiu a dor.
— ótimo. Suponho que possa sair por elas também, ent?o — disse, apontando para uma parede.
Grim se levantou. Ela engoliu em seco. A altura dele era sempre surpreendente. O poder que emanava em ondas invisíveis.