A ilha inteira estava vazia. T?o quieta que Isla podia ouvir o mar batendo contra o penhasco do castelo, repetidamente, batidas em uma porta, a morte exigindo o que lhe era devido.
A Ilha da Lua era como um ornamento envolto em gelo, água e vidro. A partir do primeiro passo para fora da ponte, Isla sentiu a geada, esfriando seu peito como arrependimento. Dura como a governante que a comandava.
E t?o bonita quanto.
Fontes e fiordes serpenteavam pela Ilha da Lua, dando aos Lunares acesso constante ao seu poder. O palácio de gelo ficava no alto, observando-a t?o de perto quanto a lua. Os caminhos eram esculpidos em madrepérola, forrados por estátuas de mármore que representavam criaturas marinhas com tentáculos sinuosos, mulheres com cauda de peixe e navios flutuando sobre o nada. Sem guardas em lugar nenhum.
Infelizmente, ela estava indo exatamente para onde todos estavam se escondendo.
Celeste descobriu que a biblioteca Lunar ficava nos fundos do castelo. Era para lá que Isla estava indo.
Seu cabelo tinha sido pintado de branco com o elixir Selvagem, e ela estava usando o vestido certo, mas algo lhe dizia que ser um Lunar era muito mais do que isso. Se algum dos guardas desse uma boa olhada nela, imediatamente saberia que ela era uma impostora. Estar do lado de fora durante a lua cheia era o maior indício desse fato. Nenhum Lunar sobreviveria fora do palácio naquela noite, ent?o Isla precisava andar como um fantasma, entrar sem ser notada. Ela se manteve nas sombras, para o caso de alguém estar assistindo de cima.
O castelo ficava no alto de uma colina de rocha branca. Uma trilha fina e exposta ia dos jardins até a entrada do castelo. Fácil de monitorar. Impossível usá-la sem ser detectada.
Ela circulou o perímetro da montanha, esperando encontrar outra entrada. A rocha era impenetrável, exceto por uma janela, quinze metros acima, no nível mais baixo do palácio.
N?o havia barras na vidra?a.
Aquela seria sua entrada.
Isla se preparou. Suas palmas estavam úmidas devido ao nervosismo, ent?o ela as esfregou na rocha calcária, cobrindo as m?os com o pó.
O penhasco era quase plano, mas havia espa?os. Ela havia sido treinada para enxergar o menor dos buracos, os recantos quase invisíveis.
Suas m?os encontraram as primeiras posi??es, com apenas alguns centímetros de apoio.
Ent?o, com um grunhido, ela come?ou a subir.
Os primeiros momentos de escalada nunca eram muito ruins. O ch?o n?o ficava t?o longe. Se fizesse um movimento errado, ela poderia simplesmente come?ar de novo.
As coisas ficavam mais perigosas a dez metros de altura.
Ela se moveu com rapidez, para n?o perder o ímpeto e n?o abrir brecha para o medo, como engolir remédio rápido o bastante para que n?o fosse possível sentir o gosto.
Uma das li??es de Terra. Sua tutora a fez vigiar os macacos que atravessavam a floresta sem esfor?o, subindo em árvores com facilidade.
Eles n?o planejavam todos os movimentos. Só balan?avam, sabendo que sempre encontrariam algo para seus bra?os ou cauda se agarrarem.
Suba até que seus músculos aprendam os movimentos; deixe sua mente fora disso, Terra ordenou. E Isla subiu na árvore, no penhasco, na parede, de novo. De novo e de novo.
Suas m?os estavam acostumadas a isso. Elas se moviam por conta própria, procurando sulcos na pedra. Encontrando. Subindo. Para cima. Para cima.
Outro movimento. A m?o prendeu-se a uma pequena saliência. Os outros dedos tatearam ao redor.
Mas, daquela vez, a rocha era lisa.
N?o havia nada em que se segurar.
Mais alto. Ela precisaria olhar mais alto. Com o bra?o tremendo pelo esfor?o, ela se esticou para encontrar outro ponto de apoio. Ela quase n?o conseguiu engolir um grito enquanto a pele ainda sensível gritava de dor devido ao movimento.
Nada.
Esse era o problema de escalar uma rocha desconhecida. Lá n?o havia garantias. Ainda assim, sempre havia algo. Alguma maneira de subir.
Seus dedos estavam come?ando a suar. O aperto no ponto de rocha ficava mais fraco. Ela se sentia ao mesmo tempo gelada e quente demais. Estava com febre? Estava doente?
N?o. Só fraca. A pele do bra?o ainda estava em carne viva. O frio no peito se intensificou.
Ela precisava encontrar logo um lugar onde apoiar a outra m?o.
Mais alto.
Apesar de seus esfor?os para ficar em silêncio, Isla resmungou com a tens?o enquanto for?ava o bra?o a puxá-la ainda mais.
Só ent?o ela encontrou um pequeno buraco na rocha. N?o perdeu tempo antes de enfiar os dedos dolorosamente no espa?o, redistribuindo seu peso.
Essa foi por pouco.
A janela estava poucos metros acima. Seria o suficiente para ela passar, e tinha até mesmo uma saliência para apoio.
Isla se moveu novamente. E, assim que sua m?o estava prestes a segurar em outro lugar, a saliência em que apoiava todo o seu peso cedeu.
Ela caiu.
àquela altura, ela talvez quebrasse as pernas. Ou, dependendo de como caísse, as costelas. Ou a coluna.
De qualquer forma, seria descoberta. Encontrada, cheia de fraturas, bem ao lado das muralhas do castelo.
Sem o desvinculador.
Sem o futuro que ela desejava mais do que tudo, um futuro que mudava a cada dia, quanto mais ela via e experimentava.
N?o.
T?o rápido que era memória muscular, Isla soltou a parte de trás de seu colar — uma adaga disfar?ada como gargantilha, a ponta afiada fazendo as vezes de fecho — e cravou a lamina na rocha com toda a for?a.
Ela parou de cair.
Por muito pouco.
Um segundo depois, a lamina cedeu.
Mas ela já tinha se segurado em outro lugar.
Estava a seis metros da janela agora, mas estava viva. Inteira.
Seu est?mago parecia ter virado do avesso, o cora??o retumbava contra o penhasco.
N?o é hora de comemorar. Com o suor escorrendo pela nuca, apesar do frio, Isla continuou escalando até a janela. O rugido ainda dominava seus ouvidos — se era do mar, da adrenalina, ou de seu corpo avisando que ela n?o estava pronta para fazer tanto esfor?o, ela n?o tinha certeza.
Minutos depois, ela se ergueu até a borda, levantou a janela destrancada e se arrastou para dentro.
O castelo da Ilha da Lua estava quieto.
Cada centímetro era esculpido em mármore branco, com veios azul-escuros atravessando a pedra como rios. Lembrava Cleo.
Impecável. Perene.
Algo nele era desconcertante.
Estava tarde. Os Lunares deviam ter se retirado para seus quartos dentro do castelo. Desde as maldi??es, Celeste dissera, a maioria havia se mudado para o palácio, o único edifício na ilha alto o suficiente para escapar do que acontecia na lua cheia.
Mesmo lá dentro, Isla podia ouvir o rugido do mar, se erguendo em ondas desesperadas na dire??o de seus habitantes.
A maioria das pessoas devia estar dormindo. Ou talvez houvesse regras. Cleo parecia ter prazer em exercer seu poder. Talvez houvesse um toque de recolher. Ou áreas restritas do castelo.
Era um labirinto.
Isla n?o sabia para onde estava indo, só que a biblioteca ficava nos fundos, com vista para o mar.
Ent?o, ela seguiu para lá.