Ela analisou o espa?o e franziu a testa. N?o havia salas escondidas nos fundos. Tudo na biblioteca estava em plena exibi??o, em prateleiras embutidas nas paredes. Isla come?ou a subir a escada em espiral, for?ando-se a n?o prestar muita aten??o nos livros. Se ela lesse algum dos títulos, n?o tinha certeza de que seria capaz de resistir à tenta??o de parar e lê-los.
Você terá muito tempo para ler quando as maldi??es forem quebradas, ela disse a si mesma. Depois de usar o desvinculador, ficaria livre para saquear a biblioteca do reino dos Selvagens e devorar todos os livros que quisesse.
Ela só precisava encontrá-lo.
A torre era mais alta do que parecia lá de baixo. Levou vários minutos para chegar ao topo.
Quando chegou, franziu a testa. Nenhuma se??o restrita.
Sem relíquias. Apenas livros. Milhares deles.
Isla agarrou o corrim?o, olhando para o ch?o a trinta metros de distancia lá embaixo. A biblioteca estava vazia. Oca. Ela quase n?o resistiu ao desejo de preenchê-la com gritos de frustra??o.
Mas ela n?o tinha pintado o cabelo, roubado roupas e entrado no território de outro reino de Lightlark para desistir t?o fácil.
A biblioteca de todas as ilhas tinha uma área restrita.
Aqui, ela devia estar escondida.
Isla voltou-se para a parede e apalpou-a com cuidado, batendo devagarinho. Era sólida, livros cobrindo cada centímetro do interior da torre. Seu centro era apenas ar.
Sem espa?o para segredo algum.
A n?o ser...
Ela olhou para a claraboia. Se ficasse na ponta dos pés, conseguiria alcan?á-la.
Seu est?mago revirou quando ela delicadamente tirou as luvas do bolso. Eram t?o ásperas e finas que poderiam rasgar se n?o tomasse cuidado. Isla tentou n?o pensar do que elas eram feitas, de quem eram...
N?o. Ela precisava manter a cabe?a na miss?o ou ia acabar vomitando o jantar.
Torcendo para que Celeste estivesse certa e a essência de Azul estivesse de fato guardada no tecido, ela vestiu as luvas, ent?o encostou a palma da m?o no vidro.
Uma abertura surgiu, junto com uma elegante escada de metal que se desdobrou diante de seus olhos.
O sorriso de Isla era pura satisfa??o, quase primitivo. Ela havia descoberto o segredo de um governante. Tinha feito isso sozinha. Uma jovem governante sem poderes.
N?o há tempo para comemorar. A bronca de Terra estava em seu cérebro. Sempre que Isla sorria depois de dominar uma habilidade ou conseguir desarmar sua tutora, era castigada.
O tempo pode parar por apenas um instante, Isla disse uma vez.
N?o para você. A partir do momento em que nasceu, o relógio come?ou a contagem regressiva, Terra respondeu. Qualquer tempo n?o usado para se preparar para o Centenário era tempo desperdi?ado. Querer algo além de defender e proteger seu reino era egoísta. A vida de Isla nunca tinha sido dela.
Com o desvinculador, poderia ser.
Ent?o Isla subiu o primeiro degrau da escada.
A claraboia era uma porta que levava a uma pequena sala de vidro inundada pelo luar. Havia um embrulho cheio de pergaminhos antigos. Um cetro adornado com uma pedra leitosa, de uma cor que mais parecia uma mistura das nuvens com o céu. Uma espada com a lamina tran?ada, as duas camadas de metal entrela?adas como dois amantes.
Mas n?o havia uma grande agulha de vidro.
N?o havia um desvinculador.
A decep??o fez com que Isla agisse de forma imprudente. Entrou no castelo do Continente sem tomar as devidas precau??es, sem esperar nas sombras para garantir que ninguém estivesse por perto. N?o escondeu seus passos, o que significava andar mais devagar. N?o pegou o caminho mais longo, por corredores que estavam sempre vazios porque eram antigos, e portanto deixavam passar feixes de luar e correntes de ar frias por buracos nas pedras, e n?o tinham as enormes lareiras que aqueciam o restante do palácio.
Tudo o que ela queria era retornar ao seu quarto o mais rápido possível, lavar a tintura do cabelo, rasgar as roupas azul-claras e dormir o pouco de sono que a noite permitiria.
No momento em que ela fez a curva para o sal?o principal, era tarde demais.
Cleo já a vira.
Isla desapareceu em um instante. Continuou andando em linha reta, sem saber para onde ia, o cora??o trovejando, imaginando se a Lunar tinha conseguido dar uma boa olhada em seu rosto.
Estava escuro e Cleo estava do outro lado do corredor.
N?o, n?o perto o suficiente para conseguir ver quem era.
Mas certamente o suficiente para deixá-la desconfiada.
Segundos depois, Isla ouviu o som inconfundível de passos atrás dela.
Seguindo-a.
Em apenas algumas passadas Lunar a alcan?aria e confirmaria que a garota de cabelo azul-claro e roupa dos Etéreos era outra governante.
Uma impostora.
A descoberta geraria tantas perguntas e revelaria tantos de seus segredos que Isla come?ou a suar e ofegar.
Cleo n?o desistiria até encurralar Isla em um canto. Estava a poucos segundos de alcan?á-la.
E Isla fez outra curva e usou os poucos segundos em que a governante Lunar n?o poderia vê-la para correr a toda a velocidade.
Isla correu, correu, correu, até virar outra esquina.
E colidiu com algo sólido.
Sua cabe?a girou. Ela teria caído para trás se m?os fortes n?o a tivessem segurado pela cintura.
Grim.
Passos ressoaram, ecoando pelo último corredor. Mais uma curva e a governante Lunar a encontraria. Encontraria os dois.
O governante Umbra olhou para ela, confuso e franzindo o cenho. Seus olhos pousaram em seus cabelos coloridos e em suas roupas, e uma pergunta se formou na express?o dele.
N?o havia tempo para explicar.
— Por favor — ela disse, agarrando seus bra?os, odiando a forma como sua voz falhou ao dizer aquelas palavras.
Grim pareceu entender o que ela queria, porque, antes que Cleo fizesse a curva, ele puxou Isla para si e ambos desapareceram.
A governante Lunar congelou ao virar o corredor e encontrá-lo vazio. Isla poderia ter se deleitado com a express?o chocada de Cleo se n?o estivesse com tanto medo.
Estava tremendo. Cleo estava a poucos metros de distancia. Se a Lunar a descobrisse, os planos e a ajuda de Celeste teriam sido em v?o. E tudo porque Isla tinha sido tola e imprudente. Só porque estava chateada por n?o ter encontrado o desvinculador de primeira.
Cleo deu um passo à frente, na dire??o deles. Silencioso como uma sombra, Grim levantou Isla como se ela n?o pesasse nada e a levou para o canto da sala. O áspero muro de pedra arranhou as costas dela. Grim estava protegendo-a. Ela podia sentir a respira??o dele na sua testa.
Isla tentou n?o se concentrar no que mais podia sentir. As m?os fortes em sua cintura, o gelo que emanava dele ultrapassando o fino tecido de sua roupa furtada. O frio que percorreu sua coluna como a noite florescendo em seus ossos.
Era o medo, ela disse a si mesma, medo de ser descoberta. Nada mais.
A Lunar andou por todo o comprimento da sala antes de voltar pelo mesmo caminho de que tinha vindo.
Somente depois de seus passos estarem longe demais para serem ouvidos, Grim tornou-os visíveis.
E Isla ficou chocada com a proximidade entre eles.
Ela estava pressionada contra a parede, e ele se assomava sobre ela, a cabe?a t?o curvada que seu nariz quase ro?ou o dela.