Mas tudo o que sentia era pavor.
Se ela falhasse, era para lá que voltaria. Viveria o resto de sua curta vida, amaldi?oada, impotente, mortal e escondida de novo. O reino precisaria de um herdeiro melhor para o próximo Centenário, ent?o seria obrigada a ter um filho.
Ela continuaria sendo protegida.
Um livro da biblioteca de cada vez.
Seu povo visto a distancia, se é que isso seria permitido.
Escolhas feitas para ela por Selvagens que sabiam mais, que conheciam mais do que apenas aquelas paredes de vidro.
Viagens secretas com sua varinha estelar.
Ela nem treinaria mais, porque n?o haveria nada para o que treinar.
Florestas e pessoas continuariam a morrer, flores seriam extintas, Selvagens seriam for?ados a matar para sobreviver, impedidos de se apaixonar, se transformando cada vez mais nas feras que os demais reinos acreditavam que eram.
N?o.
Ela n?o suportaria uma vida assim.
Lightlark era perigosa, mas cheia de maravilhas. Agora que Isla tinha provado o gosto da liberdade, n?o seria trancada em sua gaiola de vidro novamente e se contentaria com isso.
Ela desejava mais do que já havia desejado antes.
Isla viu seu reflexo nas janelas de vidro adiante. Como se instigada por seus pensamentos, seu reflexo come?ou a se mover por vontade própria.
Ela observou enquanto o reflexo andava ao redor do quarto. Deitava-se na cama. Lia um único livro. De novo. De novo. De novo. O reflexo acelerou, seus movimentos um borr?o, e os dias passaram rápido demais, como se o tempo tivesse trope?ado em si mesmo, de novo, de novo, de novo. Agora, em vez de ler o livro, o reflexo rasgou suas páginas. Bateu nas janelas em vez de olhar por elas. Puxou os cabelos em vez de tran?á-los. Arrancou as tábuas do assoalho, uma a uma, procurando por algo, os dedos sangrando. A varinha estelar? Suas tutoras a encontraram e se livraram dela? Anos pareciam passar em segundos, e, por fim, o reflexo parou no meio do quarto enquanto o tempo continuava a passar por ela, seu corpo enfraquecendo, o cabelo caindo, sua alma arrancada do peito. Os olhos tornando-se apáticos.
Ela n?o conseguia se ver assim. Vazia. Todas as melhores partes de si mesma arrancadas. Isla estendeu a m?o para tocar seu reflexo, para confortá-lo.
E, de repente, estava olhando de volta para si mesma.
Seu cora??o batia rápido demais.
Seria esse o seu destino se falhasse? Era isso que estava destinada a se tornar? Uma casca de si mesma?
Uma prisioneira?
Algo balan?ou, fazendo um guincho.
A sala ficou menor.
Isla se assustou, aproximando-se do centro do quarto. De alguma forma, as paredes tinham se movido, o ch?o tinha sido engolido.
Menor.
O vidro chacoalhou quando encolheu. Perfumes caíram da penteadeira e se despeda?aram nos azulejos, a maquiagem que restava logo se juntando a eles, borr?es de cor escorrendo, pós brilhantes formando nuvens de poeira.
Menor.
Os batimentos cardíacos de Isla ressoaram em seus ouvidos em advertência; seus dedos tremiam, e o suor escorria pela testa. O quarto estava prestes a engoli-la inteira, a pressionar o vidro contra sua pele, a tornar ela e seu reflexo uma coisa só.
Menor.
O teto se abaulou, quase prendendo-a no lugar. As paredes se dobraram, ficando menores, menores, menores.
Sua cama havia sumido, suas coisas estavam destro?adas no caos, o quarto estava encolhendo ao redor dela.
Este era o seu destino. O reflexo tinha declarado isso.
Trancada para sempre em um quarto.
Um segredo vergonhoso demais para ser compartilhado.
Uma maldi??o dolorosa demais para suportar.
O quarto rangeu, e os ossos de Isla vibraram com o movimento de tudo ao redor dela sendo comido, escondido, encoberto.
N?o.
Ela se recusava.
Isla n?o tinha trabalhado tanto, por anos a fio, só para que seus esfor?os fossem em v?o, para ser uma vítima deste quarto e de suas circunstancias.
Ela nem tinha no??o do quanto estava perdendo. Agora que tinha visto o que o mundo tinha a oferecer, queria tudo.
Queria tudo.
Isla n?o voltaria para aquele lugar. Ela ia quebrar a maldi??o, ou ia morrer tentando.
Antes que pudesse fazer um único movimento para impedir seu destino, no entanto, já parecia ser tarde demais. N?o havia nada que ela pudesse fazer; o restante das paredes caíam em cima dela.
Os cortes de um milh?o de cacos de vidro eram uma constela??o atravessando seu corpo enquanto o quarto se despeda?ava. Antes que ela pudesse sair do caminho, um painel sólido maci?o esmagou-a sem quebrar. Sua respira??o foi rasgada do peito. O mundo estava escuro e silencioso. Seu rosto pressionado contra o vidro, t?o perto que ela n?o conseguia respirar.
Ela ficaria no espelho para sempre?
Havia se juntado à garota no reflexo?
Ela tentou mover um pé, uma perna, qualquer coisa, e finalmente conseguiu sentir ao redor com os dedos. Apenas uma das m?os n?o havia sido esmagada pela parede.
Me dê uma chance, ela disse a seus ossos quebrados. Uma chance, e pode ter certeza de que nunca nos tornaremos ela.
Seus dedos procuraram cega e desesperadamente até uma lamina cortar sua pele como manteiga. Ela sorriu sob os escombros. Era uma de suas espadas. Ela agarrou o cabo.
E quebrou o vidro que a havia sufocado.
Isla ofegou.
Estava de volta ao sal?o.
O espelho estava parado novamente. Seu reflexo agitado a encarou de volta. Desta vez, n?o se moveu sozinho.
Com um tranco, Isla afastou a m?o, a palma fria como gelo.
N?o houve aplausos. Nenhum som quando ela recuou, e a demonstra??o terminou. Cleo foi coroada a vencedora.
Isla permaneceu no sal?o até ficarem apenas ela, o espelho e Celeste.
— Quanto tempo? — Isla finalmente perguntou.
Tinha certeza de que seu tempo fora muito maior do que o dos outros. Que havia sido por isso que as pessoas tinham partido t?o de repente. E por isso que ninguém havia prestado aten??o nela, ou que Celeste n?o havia acenado ou co?ado o nariz ou feito qualquer um de seus truques sutis para se comunicar em segredo com ela.
Celeste franziu a testa.
— Seis minutos — disse, simplesmente. — Por que você n?o olha a ampulheta?
Seis minutos. N?o foi t?o ruim assim.
Isla n?o se incomodou em responder à pergunta de Celeste, porque n?o queria admitir que estava com medo de olhar. Que se sentiu no limite.
Ela podia ter enfrentado seu medo no espelho... mas nunca tinha ficado t?o assustada.
Agora tinha visto seu pior medo encarnado, vivo.
Ela faria qualquer coisa para evitar que aquilo se tornasse realidade.
E isso, talvez, fosse mais assustador ainda.
A governante Estelar estava andando em volta do espelho, observando o objeto com cuidado.
Isla viu de longe Celeste juntar os dedos e sorrir.
— Funcionou.
Isla se endireitou.
— Como você sabe?
Celeste estalou os dedos e faíscas iluminaram o sal?o. Marcas de m?os brilharam em prata no vidro do espelho. A impress?o e a essência de cada governante tinham sido armazenadas pela relíquia.