Lightlark (Lightlark, #1)

Os olhos escuros de Grim brilharam; ele estava se divertindo.

— Cuidado, Devoradora de Cora??es — ele sussurrou, se aproximando dela, perto demais. — Talvez eu mesmo entregue-o a você.

Durante aqueles instantes, a sensa??o era que havia apenas ela e Grim no sal?o.

Aplausos a trouxeram de volta para a multid?o. Isla se virou para ver que Azul havia se posicionado na cabeceira de uma mesa, já com os outros governantes.

— Bem-vindos — disse ele. — Se todos puderem tomar seus lugares, vamos come?ar.

Isla correu para a mesa, grata por uma desculpa para se afastar do Umbra. Infelizmente, os dois últimos lugares eram um ao lado do outro. ótimo.

Era uma demonstra??o, n?o um jantar elaborado, ainda que a comida estivesse sendo servida por dezenas de lacaios. Sua mente come?ou a pensar nas possibilidades. Ela estava alerta, estudando cada detalhe, preparando-se mentalmente para qualquer prova??o que viesse a enfrentar.

Os nobres haviam se acomodado em seus assentos. Isla observou os ternos e vestidos feitos com tecidos deslumbrantes. O alfaiate devia ter passado os últimos meses bem ocupado. Ela se perguntou se ele já dera falta das duas pe?as que sumiram.

Mas a loja tinha centenas de roupas... Seria quase impossível fazer o inventário todos os dias.

Por outro lado, o alfaiate parecia profundamente comprometido com seu ofício. Talvez tivesse percebido. Será que denunciaria o roubo?

Será que suspeitaria da Selvagem que estivera em sua loja naquela mesma manh??

— Vamos come?ar — disse Azul cordialmente, com um sorriso largo.

O governante Etéreo tinha os dentes mais perfeitos e brilhantes que ela já vira. Naquela noite, usava vestes com recortes triangulares nas laterais, revelando marca??es pintadas em sua pele escura, símbolos que Isla n?o reconheceu. Alguns Selvagens se tatuavam com agulha e tinta depois de completar seu treinamento ou após feitos ilustres. Isla nunca teve permiss?o para isso. Seu corpo n?o pertencia apenas a ela, Poppy disse. Pertencia ao reino. Ela era sua representante, sua tábua de salva??o. Mesmo tendo nascido sem poderes.

— Esta noite, gostaria de celebrar as fantásticas habilidades que nos permitir?o ter sucesso no fim das maldi??es — disse Azul. — Governantes do reino, vocês nos honrariam com uma demonstra??o de seus poderes?

Isla quase deixou cair a ta?a de água.

Os olhos de Grim estavam no copo dela. Seus dedos tremiam, a água ondulava. Se estivesse certa de que suas pernas ficariam firmes, teria saído correndo do sal?o.

Ela n?o tinha poderes para demonstrar.

Grim. Ele poderia fazer as luzes se apagarem. Poderia fazê-la desaparecer, ou pelo menos provocar algum tipo de distra??o. Se ela pedisse, ele o faria. Adoraria ter uma chance de provocar o caos. E, embora suas inten??es fossem obscuras, ele a ajudara antes.

Mas Isla teria que explicar o motivo. Engoliu em seco, pesando os riscos.

Antes que ela pudesse dizer uma palavra, Azul falou:

— Grim, n?o temos um Umbra em nossa ilha há séculos. — Sua voz estava tensa. Desconfiada. — Poderia come?ar?

Grim ficou sentado por um momento, e Isla se perguntou o que aconteceria se ele simplesmente ignorasse o governante Etéreo. Finalmente, o Umbra se levantou.

Abriu a palma da m?o.

A sala mudou. De repente, havia uma centena de Grims, de pé entre cada cadeira. Todos sorrindo. O teto se abriu, assim como o ch?o, e grandes placas de pedra caíram bem na cabe?a de todos, fazendo gritos atravessarem o ar.

De repente, tudo desapareceu. A sala voltou ao normal. Havia apenas um Grim, que parecia entediado, como se a demonstra??o n?o tivesse usado nem um sussurro de seu poder.

O ambiente estava em silêncio. Alguém derrubou uma ta?a.

Isla sabia que os Umbras tinham habilidades mentais. Mas isso era maior, uma vis?o em grande escala.

Qu?o perigosa essa habilidade seria na guerra?

Ou agora, neste jogo?

Ela olhou para o rei. Oro observou Grim com olhos duros, como se sua exibi??o fosse uma amea?a. Uma declara??o do que exatamente ele era capaz.

— Cleo, se puder — disse Azul, um pouco menos animado.

Ela precisava inventar alguma coisa. Rápido.

Terra e Poppy a prepararam para essa possibilidade. Mas o plano complicado das duas dependia de ela já ter se aproximado do rei e roubado um dos encantamentos que ele supostamente tinha em sua cole??o pessoal, uma flor selvagem capaz de se multiplicar e viver para sempre. Ela recebeu instru??es específicas para obtê-la o mais rápido possível.

Algo de que havia se esquecido completamente, concentrada no plano dela e de Celeste.

Ela nem tinha falado diretamente com o rei desde aquele primeiro jantar, e o evitara ao máximo. Talvez até demais, em desafio ao primeiro passo degradante da estratégia de suas tutoras.

Agora, o que faria?

Admitir seu segredo n?o apenas para todos os nobres, mas também para os governantes?

Ela poderia muito bem se considerar morta no segundo em que o relógio soasse a meia-noite do quinquagésimo dia. Nem mesmo Celeste poderia protegê-la de todos eles. Ela sabia.

Celeste. Isla enfim olhou para a governante Estelar, que a encarava, claramente tentando chamar a sua aten??o havia um bom tempo.

Sua express?o estava tensa, os olhos arregalados de preocupa??o.

Ela era um fardo. Sempre precisando ser cuidada, protegida.

Isla n?o sabia por que, mas sorriu de volta, tranquila, balan?ando a cabe?a de leve como se dissesse: N?o se preocupe, tenho um plano.

Embora nunca tivesse um plano próprio, n?o é? Ela só tinha seguido as estratégias dos outros. Nunca a dela. N?o de verdade.

Cleo estava de frente para a mesa agora. Levantou os bra?os de forma dramática.

Vinho vermelho como sangue se ergueu de cada uma das ta?as para o centro da sala. Ela moveu as m?os como se estivesse acariciando um animal selvagem, e do vinho surgiu um enorme tubar?o com três fileiras de dentes. Ele partiu em dire??o à multid?o, caindo do céu, sua mandíbula monstruosa se abrindo, mas, antes que pudesse alcan?ar Cleo, sua m?o se fechou em um punho e o tubar?o congelou. Os dentes se tornaram estalactites cor de malva que formaram um círculo perfeito ao redor da Lunar, afundando no ch?o. O resto transformou-se em um vapor vertiginoso.

Aplausos ecoaram pela sala, os nobres nada chateados por suas ta?as agora estarem vazias. Cleo parecia muito presun?osa enquanto voltava para a mesa.

— Celeste?

A Estelar levantou-se devagar, os ombros tensos. Isla sabia que sua amiga n?o estava nervosa, pelo menos n?o por conta de sua demonstra??o. Ela andou com cuidado até a frente da mesa, o cabelo brilhando sob as chamas do candelabro. Celeste ergueu um dedo no ar.

E a sala explodiu.

Fogos de artifício explodiram de todos os cantos, faíscas prateadas caindo como estrelas cadentes em miniatura. Eles guincharam e rugiram, voando pela sala, antes de se despeda?arem contra as paredes em manchas prateadas.

Murmúrios na multid?o, alguns estendendo a m?o para tocar a poeira estelar que caía como confete, cobrindo as mesas com purpurina. Caiu um pouco no cabelo de Isla.

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