Ela deu um rápido olhar fulminante, estalou a língua e...
Congelou. Grim era um guerreiro temível. Ele usava um capacete com espinhos que mais pareciam punhais saindo do topo da cabe?a. Um deles ficava entre os olhos, protegendo o nariz. Os ombros tinham as mesmas pontas de metal afiadas, que cobriam seus bra?os, espinhos por toda parte.
Ele era um dem?nio, a própria imagem da morte.
Isla engoliu em seco. Ele observou o movimento, olhando para seu pesco?o com muita aten??o, antes de quase distraidamente mostrar os dentes em um esgar, como se quisesse mordê-la. Sua pele formigou de forma inexplicável diante desse pensamento.
N?o, isso é nojento. Isla for?ou-se a se recompor. Ele n?o queria mordê-la, era coisa de sua cabe?a.
Por que isso estava na cabe?a dela?
O toque de um sino chamou a sua aten??o de volta para a arena.
A espada de Celeste estava no ch?o. A lamina de Cleo encostava de maneira imprudente no peito da Estelar. Ent?o, também foi largada no ch?o.
Alívio tomou conta de Isla. Celeste tinha perdido, mas isso n?o importava. As duas haviam planejado se apresentar de forma razoável. N?o t?o mal para serem rotuladas como fracas, mas n?o bem o suficiente para que fossem desejadas como dupla. Ainda que n?o pudessem controlar os pares decididos no vigésimo quinto dia — a menos que vencessem a maioria dos testes, o que as tornaria imediatamente alvos para serem eliminadas —, elas contavam com o fato de que o ganhador ou ganhadora colocaria as governantes mais jovens e mais inexperientes juntas. Seria a escolha mais inteligente, elas raciocinaram, amarrar os elos mais fracos como presas fáceis para o resto das partidas.
N?o chame muita aten??o para si mesma, Celeste havia avisado.
— Nossa vez, Devoradora de Cora??es — Grim disse antes de passar por ela e entrar na arena.
Ah.
De alguma forma, ela n?o tinha se dado conta de que os dois iriam duelar. Estava muito distraída com a batalha de Celeste.
Isla n?o moveu um músculo, observando o centro da arena enquanto Grim retirava das costas uma espada mais grossa que sua coxa.
Sua boca de repente ficou muito seca. Grim escolheu as partidas. Essa era a sua demonstra??o. Ele tinha escolhido Isla como oponente por algum motivo.
Uma teoria se formou em sua cabe?a, pe?as se juntando. Eles eram os dois únicos governantes sem o povo presente. Os dois mais odiados. Ele os combinou de propósito, para mostrar sua superioridade? Para certificar-se, desde a primeira demonstra??o, de que a ilha torceria por ele e n?o por ela?
Celeste estava certa, ele n?o era confiável.
— Vai — sua amiga sussurrou de forma ríspida, de repente ao seu lado.
Certo. Isla pisou no centro da arena com pernas que n?o estavam t?o firmes como alguns minutos antes.
Ninguém aplaudiu. A espada de Isla bateu no metal de suas botas altas, com um som estranho e dissonante que reverberou pelo silêncio.
Recomponha-se, disse a si mesma, pensando em seu treinamento. Em Terra.
O Umbra poderia estar conspirando contra ela. Tudo o que podia fazer era garantir que seu plano fosse frustrado antes mesmo de come?ar.
Com a respira??o firme, Isla sacou sua espada e assumiu a posi??o. Era uma segunda natureza, como dormir ou respirar. O único momento em que se sentia como se tivesse um sussurro de poder. Parte dela ainda queria se acovardar, mas Isla sabia lidar com uma lamina melhor do que com uma pena.
O sino tocou, alto e claro.
Grim atacou primeiro.
Isla girou para o lado, rápida como o vento. A lamina dele atingiu apenas ar. Ela deu meia-volta e mirou o peito dele.
Grim era muito rápido. Ele evitou o golpe, ent?o atacou de novo, mas tudo que conseguiu foi encontrar a espada dela com a sua. O bra?o de Isla tremeu por um momento com a for?a do golpe. Em um instante, ela recuperou o equilíbrio e deslizou a lamina para a direita, abaixo da dele, o metal contra metal fazendo-a estremecer, cortando a arena.
Os olhos de Grim se arregalaram de surpresa quando ele se jogou para trás, escapando da ponta da lamina de Isla por pouco.
Está vendo? Talvez você devesse ter escolhido um oponente diferente, ela pensou.
— Está se sentindo confiante, Devoradora de Cora??es — Grim disse. Ele avan?ou, e ela bloqueou seu golpe. Tentou de novo, apenas para encontrar mais a?o. Por poucos segundos de trope?os vertiginosos, suas laminas se encontraram repetidamente, se tocando, deslizando, colidindo. De alguma forma, ele estava em seu ouvido. — Diga, como vai se sentir quando perder?
Ela engoliu em seco e virou, ent?o se abaixou, o ar saindo de suas narinas quando ele mirou seu pesco?o. E quase acertou. Passou muito perto.
Isla disparou para cima e para a frente, um bra?o completamente estendido, o outro atrás das costas. Ela era leve como um dente-de-le?o, mas forte como o a?o de sua lamina a cada avan?o. Era parte dela, um quinto membro, uma coisa linda e brilhante. Cada um de seus movimentos era mais rápido que o anterior, deslizando no ritmo, no fluxo. Era uma dan?a. Ela sentiu a arena como se estivesse descal?a, o ar como se fosse elétrico. Um rosnado surgiu do fundo da garganta quando ela for?ou Grim a recuar, em dire??o à parede, para a multid?o sentada no alto.
Enquanto se concentrava, Isla sentia a boca contraída em uma linha; podia jurar que viu uma gota de suor escorrer pela testa de Grim.
— Está se sentindo surpreso, Grim — ela disse, a voz profunda e rouca.
Os olhos dele eram ferozes, n?o restava nenhum brilho neles.
Isla sorriu, girou rápido como um redemoinho para reunir mais for?a, e atacou como uma naja — t?o forte que Grim perdeu o equilíbrio, apenas um pouco.
Era tudo de que precisava. Isla pulou do ch?o com um grito de guerreira e caiu bem na frente dele, prendendo-o na parede.
Sua lamina na garganta dele.
A espada de Grim caiu no ch?o.
Ela estava ofegante, bem na cara dele. Grim a encarava como se nunca tivesse visto Isla antes.
— Todo mundo parece esquecer... — disse ela, sem desviar o olhar, mesmo que isso significasse erguer a cabe?a. Ambos estavam ofegantes, seus peitos subindo a cada respira??o. — ... que os Selvagens s?o, acima de tudo, guerreiros.
Isla podia n?o ter poderes. E podia ter passado a vida inteira aprisionada como um pássaro em uma gaiola por causa disso. Mas era capaz de lutar t?o bem quanto qualquer governante. Terra se certificara disso. Ela abaixou a lamina da garganta de Grim.
E escutou aplausos.
Isla se virou, atordoada pelo som, a única torcida na sala com centenas de pessoas.
O rei. Ele estava batendo palmas para ela.
De novo.
Ela se voltou para o governante Umbra, esperando que ele a odiasse. Mas ele estava sorrindo, seus olhos cheios de algo parecido com prazer.
Grim estava feliz por ela ter vencido.
O que n?o fazia sentido.
Seus olhos se estreitaram para ele, tentando analisá-lo. Nunca as motiva??es de alguém tinham sido t?o misteriosas.
O que Grim queria?