Ela disparou em dire??o a Aurora, as espadas levantadas. A governante Estelar enviou cascos de árvore através do vidro, formou espinhos de casca, lan?ou-os em dire??o a ela.
Isla cortou cada um deles. Ela era fluida como água. Precisa como um raio. Rápida como uma estrela cadente. Suas espadas moviam-se de forma aut?noma em um ritmo como o do sangue que pulsava em suas veias, com um tinir através da cúpula de vidro, ecoando entre cortes e estilha?os enquanto Aurora enviava mais for?as da floresta para detê-la.
Ao se aproximar, Isla sentiu as lágrimas quentes mancharem seu rosto. A maior trai??o n?o era de Grim. Nem de Terra e Poppy.
Era de Celeste. Que fingiu ser sua amiga. Sua irm?.
Isla era solitária. E Celeste havia se aproveitado de sua solid?o.
Ainda assim, mesmo depois de tudo, um canto trai?oeiro de seu cora??o ainda amava a amiga.
Aurora riu frente à dor gravada no rosto de Isla.
— Você poderia ter feito isso — disse ela. — Quebrado as maldi??es. Eu n?o contava com Oro descobrindo a existência do cora??o. Vocês dois realmente poderiam tê-las quebrado, se você tivesse sido forte o suficiente para deixar um dos governantes morrer. E, claro, tem a quest?o do crime original, como na profecia…
Isla girou, se preparando para o impacto de um tronco. Caiu no ch?o, o ar deixando seus pulm?es por um momento antes de retornar, o líquido curativo que ela acabara de tomar ainda em seu sangue, dando-lhe for?as para se recuperar. Uma das videiras cobertas de espinhos cortou um lado do seu corpo, fazendo o sangue jorrar, e ela gritou, mas um momento depois a pele se uniu novamente.
Ofegante, Isla manteve o ritmo na dire??o de Aurora, espadas ainda desembainhadas.
— O crime original n?o foi usar o cora??o — Isla disse por entre os dentes, grunhindo enquanto cortava uma videira que se enrolava em sua perna, grossa como um bra?o. Outra tentou tomar seu lugar, para jogá-la contra o vidro ao lado de Oro e Grim, que ainda estavam sangrando e lutando contra suas amarras espinhosas, mas ela cortou antes que pudesse agarrá-la. — E n?o foi um Solar se apaixonando por um Selvagem. Foi?
N?o, maldi??es t?o cruéis só poderiam ser lan?adas por meio de um ato verdadeiramente sinistro. O crime original n?o poderia ter sido o amor ou exercício de grande poder… sangue tinha que ter sido derramado para criar algo t?o maligno.
E n?o qualquer sangue.
Ela havia aprendido muito cedo sobre o sacrifício dos seis governantes em troca da profecia que quebraria as maldi??es. Poppy e Terra disseram a ela que sua própria ancestral tinha liderado o sacrifício, dando sua vida primeiro.
Mas Isla agora se perguntava se sua ancestral tinha mesmo se sacrificado.
Talvez ela estivesse morta antes que os outros governantes descobrissem sobre as maldi??es.
Os olhos da Estelar brilharam. Como se, por um momento, ela sentisse uma dor…. Como se lembrasse do ato que a mudou para sempre, que tinha sido a base para maldi??es que haviam durado quinhentos anos.
Seu rosto retornou para a maldade um segundo depois, e ela levantou as m?os.
O teto despeda?ou quando uma dúzia de árvores o atravessou de uma só vez. Isla foi coberta pelos cacos de vidro. Ela gritou, observando sua pele ser cortada, depois se curar, rasgar e sarar, o elixir de cura Selvagem lutando para acompanhar os ataques.
As árvores a golpearam, deixando-a de joelhos. Antes que elas a esmagassem completamente, Aurora torceu os dedos e teceu os galhos em uma treli?a em torno de Isla.
Ainda chovia vidro quando ela olhou para Aurora.
Através dos buracos de sua gaiola.
— Passarinha — disse Aurora, balan?ando a cabe?a do outro lado da sala. — Você deveria ter ficado na natureza.
Mas ela n?o estava enjaulada. N?o de verdade. Mesmo quando estava trancada em seu castelo, sempre teve um portal para o exterior.
Ela tirou a varinha de onde a havia guardado em suas costas, pronta para deixar a gaiola.
E a varinha voou de suas m?os, arrancada por uma videira. Isla assistiu a ela rolar pela sala até pousar nos pés de Grim. Ele olhou para ela, sangue escorrendo de sua testa. Grim ofegava e estremecia, como se respirar doesse, mas ele conseguiu dizer:
— Cora??o — arfou, suas palavras mal saindo. — Seu cora??o, Devoradora.
O cora??o dela? Isla se lembrou da flecha que havia a acertado, uma dor chocante como um raio atravessando-a. Ela deveria ter morrido. Nem o elixir Selvagem, nem mesmo Cleo, nada seria capaz de curar o ferimento causado por uma flecha no cora??o.
Só um cora??o poderia.
Isla apertou o peito e ele ardeu. N?o por causa da les?o, ela se deu conta…
Mas por causa do que havia nele agora.
Poder em sua forma mais pura. Quando o cora??o a curou… ele a marcou.
Seu cora??o. N?o pertence apenas a você. Ela n?o tinha entendido as palavras de Grim antes, mas agora elas faziam sentido.
Isla sentiu o chamado por toda a ilha. Em seu quarto, onde ela o havia deixado, com o bilhete para Oro. O cora??o cantou para ela, a mesma can??o que tinha ouvido no momento em que pisou na ilha. Um chamado como o do pássaro guinchando em seu ouvido, um calafrio como a geada que entorpeceu sua língua na Ilha da Lua.
Isla sentiu, e chamou por ele.
Seu bra?o se esticou. Seus dedos se flexionaram.
Ent?o, um arco de luz solar atravessou o vidro. O cora??o disparou para sua palma, que brilhou.
Sua m?o se fechou e a gaiola se quebrou. O poder Selvagem disparou do cora??o em um fluxo. Galhos estalaram, voando pelo c?modo. Algo reluziu a seus pés: o vinculador. Isla o agarrou com a outra m?o, enfiando-o no bolso.
Um momento depois, ela estava correndo, pulando, a poucos centímetros de Aurora.
Com os olhos arregalados, surpresos, Aurora se transformou por um instante, as fei??es se contorcendo, se tornando Celeste.
Celeste.
Isla n?o hesitou como Aurora esperava. Tirou o vinculador do bolso e enfiou uma das pontas afiadas na palma da própria m?o.
E fincou a outra ponta no cora??o de sua melhor amiga.
O grito de Isla foi um som selvagem, gutural, que ecoou pelo Palácio de Espelhos. Seu rosto se contorceu em agonia. Sua melhor amiga… sua irm?…
Ela sentiu o poder correr através da agulha para dentro de si, enquanto os olhos de Celeste se arregalaram e depois esmaeceram.
Esmaeceram.
Até que o crime original fosse cometido novamente. Uma governante matou sua melhor amiga a sangue-frio. Uma linhagem chegou ao fim. E um dos seis venceu.
O mundo explodiu.
Isla foi jogada para trás por uma for?a mais selvagem que o vento, mais forte do que a maré. Lágrimas queimaram e emba?aram sua vis?o, quentes em seu rosto, escorrendo pelas têmporas. Ela piscou uma vez para as estrelas enquanto voava de volta, e elas pareciam mais brilhantes do que nunca.
Antes que Isla caísse no ch?o, o piso desabou.
As maldi??es foram quebradas, e Lightlark também. O ch?o se partiu em mil rachaduras, e Isla escorregou pela fenda, seguindo o corpo de Celeste, que já havia sido tomado pela ilha. A governante Estelar tinha caído centenas de metros para o núcleo ardente de Lightlark. O cora??o caiu da m?o de Isla e despencou atrás de Celeste, retornando para a ilha mais uma vez.