Com a maldi??o quebrada, Umbras seriam mais fortes do que nos últimos quinhentos anos. Engolindo em seco, ela se lembrou da demonstra??o de poder de Grim na chuva. Lembrou-se das palavras que fizeram calafrios percorrerem sua espinha… O mesmo acontecia agora, novamente, embora por um motivo diferente.
Eu poderia abrir um buraco negro que engoliria a praia inteira. Poderia tornar o mar escuro como tinta e matar tudo que há nele. Poderia demolir o castelo, tijolo por tijolo, de onde estamos. Eu poderia te levar de volta para as terras Umbras comigo agora mesmo.
Antes, ela havia pensado que aquelas palavras eram ele se gabando. Declarando seu amor.
Agora, pareciam amea?as.
Ela se apoiou no corrim?o, for?ada a se afastar de seus pensamentos quando o calor a inundou. Veio por trás dela.
Oro.
Os dois n?o se falavam desde que ele a ajudou a voltar para o castelo. Isla estava confusa e trêmula em seus bra?os, solu?ando, gritando, o olhar moribundo de Celeste gravado em sua mente. Ele havia deixado comida, chá, água, roupas confortáveis em sua porta, mas ela só a abria depois que ele já estava longe.
Seus ombros enrijeceram. Ela olhou para o mar agitando-se abaixo dela, cristas brancas e redemoinhos de safira.
— N?o está pensando em pular de novo, está?
Ela se virou e olhou para ele.
— Eu n?o pulei. Você me derrubou.
Seus olhos estavam sérios, mas seu tom era de falsa preocupa??o.
— Eu?
— Sim. Você e sua bisbilhotice.
Ele ergueu uma sobrancelha para ela.
— Eu te ouvi do meu quarto e saí para investigar. N?o chamaria isso de bisbilhotar.
Isla tentou sustentar seu olhar penetrante, mas enquanto observava seu rosto ela piscou. Nunca tinha visto Oro sob o sol.
Os olhos cor de ambar dele brilhavam tanto quanto o cora??o. Os cabelos eram fios de luz feitos de seda. Os contornos afiados de seu rosto estavam destacados contra o brilho. Sua pele brilhava.
As olheiras sob seus olhos haviam desaparecido. Suas bochechas pareciam muito menos pálidas. O azul-acinzentado havia desaparecido de suas fei??es.
Oro estava radiante.
Isla engoliu em seco.
— Você estava insuportável naquela noite — ela disse, suas palavras saindo sem qualquer malícia.
Oro deu um passo em dire??o a ela.
— Você também. Aparecendo para o jantar encharcada, com o cabelo pingando. E tudo que eu conseguia ouvir era a sua voz, ressoando na minha mente como uma maldi??o. Pensei que era de propósito, que você estava usando suas habilidades para me atrair, mas depois você ficou t?o mal-humorada que era impossível que esse fosse o seu plano. — Oro franziu a testa. — Quando você me contou seu segredo, eu… fui pego de surpresa. — Ele soltou uma risada sarcástica. — Por séculos, evitei qualquer tipo de conex?o. E quando pela primeira vez comecei a sentir algo… foi por uma Selvagem que nem estava tentando me seduzir.
Oro estava t?o perto que Isla teve que inclinar a cabe?a para encontrar seu olhar.
Por um momento, eles se encararam. Ele abriu a boca, depois a fechou. Ela fez o mesmo.
N?o sabia o que dizer.
— Isla — ele falou, seu nome t?o suave nos lábios dele. Ela viu suas próprias emo??es refletidas em seus olhos.
Estava se sentindo desorientada. Sem saber como aquilo aconteceu.
Apenas que aconteceu.
O amor era uma coisa estranha. Ela o desejava de tantas maneiras. O teve por um tempo, embora tivesse feito de tudo para negar. Principalmente, Isla confiava nele.
Era essa a base do amor?
Ela ainda n?o tinha certeza.
Sobre nada.
Isla levou a m?o ao peito dele. Em algum lugar, podia sentir seu poder pulsando. Um fluxo incessante, dourado e brilhante. Solar, Etéreo, Lunar e Estelar. Quando Isla usou o vinculador, devolveu o poder de cada governante através da mesma ponte que havia permitido a ela tomar suas habilidades, embora ainda pudesse acessá-las.
N?o havia defesas entre ela e a po?a infinita de Oro, já que o fluxo funcionava para os dois lados. Ela poderia enfiar a m?o e pegar o que quisesse. E ele poderia fazer o mesmo com ela.
Oro fechou os olhos por um instante, como se sentisse os dedos de Isla correndo ao longo dos rios de energia dentro dele.
Ele imitou o movimento dela. E Isla se perguntou o que ele sentia… porque, quando Isla matou Aurora com o vinculador, ela sabia exatamente o que estava fazendo. N?o apenas obtendo seu próprio poder — e o de Oro e de Grim —, mas também tirando algo dela. Todas as habilidades da governante Estelar. Uma brecha, para matar um governante e sua linhagem, cumprir a profecia e acabar com as maldi??es, e ao mesmo tempo poupar o reino Estelar.
Agora, Isla tinha o poder de um governante Estelar, e n?o queria pensar no que isso significava.
Oro pressionou dois dedos contra seu cora??o. E desceu, até o centro do peito dela.
Uma videira serpenteou pela varanda e desabrochou uma rosa vermelha.
Oro a arrancou da planta. Ofereceu a Isla.
Ela olhou para a flor. Uma rosa com espinhos, como ela. Era linda. Perigosa.
Isla a pegou e jogou-a por cima do ombro. E ficou na ponta dos pés para que sua testa tocasse a dele.
Oro hesitou. Seus olhos eram cor de ambar e ardentes, nada como o vazio que ela havia vislumbrado no primeiro dia do Centenário. Ele a encarou como se ela fosse o motivo pelo qual destruíram a ilha, o cora??o que ele estava desesperadamente tentando encontrar por tantos anos. A agulha que havia costurado de volta cada um dos seus peda?os.
Isla respirou fundo.
Ent?o se virou para o mar.
Grim. Ele a havia destruído e Isla fora imprudente. Apressada, agido sem pensar, sem hesitar.
Ela n?o cometeria esse erro novamente. Mesmo que confiasse em Oro — ninguém mais além dele.
Isla subiu na mureta, da mesma forma que fizera no primeiro dia do Centenário, quando entoou a can??o que atraiu Oro até sua varanda. Ele estava atrás dela, uma fonte infinita de calor, t?o perto que, quando ela inclinou a cabe?a para trás, descansou no peito dele.
Seus pés chutavam o ar, bem acima do mar revolto. Isla virou-se para ele.
— N?o me deixe cair.
Seus olhos encontraram os dela.
— Nunca.
Isla sustentou o olhar de Oro.
— Nunca mais — ele emendou.
CAPíTULO CINQUENTA E SEIS
CHAVE
OPalácio de Espelhos havia perdido seus vidros. Era o esqueleto de uma estrutura agora, o piso coberto de cacos afiados como facas. Estalavam sob os sapatos de Isla quando entrou.
Oro havia trabalhado para fechar a rachadura no solo, usando um poder emprestado, mas um corte ainda percorria toda a extens?o do sal?o, como uma cicatriz. Um lembrete do que havia acontecido ali.
Um lembrete da governante que fora enterrada lá embaixo.
Ele estava ao seu lado, observando cada um de seus movimentos. Sem ele, Isla n?o sabia se teria tido a coragem de voltar.
N?o… ela teria. Porque estava mais forte agora, e isso n?o tinha nenhuma rela??o com seu novo poder.
Isla continuou em frente, tranquila, a cabe?a erguida. Oro havia devolvido sua coroa. Ele contou a ela sobre como a pegou depois de terem encontrado o cora??o, durante as horas agonizantes na caverna enquanto o sol ainda brilhava e ele n?o podia ir encontrá-la… quando nem mesmo sabia se ela estava viva.