Lightlark (Lightlark, #1)

Mas ela estava cansada de medir suas palavras, de ignorar suas emo??es, de dizer a todos o que eles queriam ouvir. O que ganhara com isso?

Isla tinha quase certeza de que Cleo queria matá-la. Elas ainda n?o tinham encontrado o desvinculador. Os testes acabaram sendo um desastre.

Ele a olhou. N?o, n?o tinha gostado nada de seu tom ou do peteleco na coroa.

— Estamos indo para a tempestade — disse ele bruscamente antes de se virar e continuar andando.

Tempestade?

Ela n?o tinha ideia do que ele queria dizer. Mas o seguiu novamente, contente por ao menos ter uma resposta.

Eles estavam caminhando em dire??o à costa. Aquela que Azul gostava de visitar com frequência. O ar come?ou a ter gosto de sal. Seu cabelo voava para trás, a tran?a chicoteando sem controle.

Nas terras dos Selvagens, o vento sussurrava. Cantava músicas, repassava fofocas e assobiava melodias t?o fortes quanto as badaladas de um relógio. Antes de Terra e Poppy terem trancado seu quarto, Isla às vezes mantinha o painel aberto durante o dia, na esperan?a de ouvir algumas partes do que o vento dizia.

O vento falava de angústia, dos Selvagens que cometeram o erro de se apaixonar. De cora??es, comidos e dilacerados por unhas afiadas como facas. Contava histórias que pareciam t?o antigas quanto as próprias árvores, nascidas de sementes que diziam vir diretamente de Lightlark.

A nova terra selvagem havia sido formada apenas quinhentos anos antes, mas sua funda??o era antiga. Foi dito que, depois que eles fugiram da ilha e de sua tempestade amaldi?oada, uma centena de Selvagens se sacrificaram para criar a nova terra, entregando seu poder à terra seca e infértil. Flores brotaram de seu sangue, florestas cresceram em quest?o de semanas, e a nova terra nasceu de seus ossos.

Bem, foi isso que o vento disse. Isla achou bastante dramático.

às vezes, ela respondia. Desabafava. Presa em sua esfera de vidro fosco, contava seus pensamentos para o vento.

Ele nunca respondeu. Nem uma vez.

Mas Isla tinha esperan?as de que escutasse.

Chegaram a mais um declive íngreme. Suas panturrilhas come?aram a doer.

Ela n?o tinha certeza de por que o rei a levaria para aquela parte do Continente. O que havia mesmo para ver? O oceano?

Ent?o, ela avistou. Algo havia engolido a costa.

Uma tempestade parada.

Nuvens escuras como manchas de tinta borravam o céu acima da praia. Relampagos prateados grossos como laminas disparavam delas até a areia, faiscando em uma energia tremulante. Um anel de fogo pairou por perto, suas chamas presas no tempo. Cascatas enormes e mortais vazavam de buracos nas nuvens, longos len?óis de água como raios de luar tingidos de roxo.

O mar tinha sido puxado para trás como um cobertor e erguido — no topo, uma onda alta como uma torre que nunca caiu. Estava congelada, embora n?o em gelo. Mesmo de sua altura, Isla podia ver a água correndo lá dentro, borbulhando. Esperando. Tinha deixado um longo trecho do fundo do mar descoberto. Pedras brilhantes e berloques antigos há muito perdidos cobriam a areia, ao lado de conchas variadas.

Era a maldi??o na ilha, temporariamente subjugada. A tempestade encantada.

Era isso que Azul sempre visitava?

Ouviu sussurros, chamando-a à frente. A tempestade pulsava com potência. Ela queria ver aquilo de perto.

O penhasco mais próximo da tempestade estava quebrado em muitas partes. Peda?os dele tinham caído, deixando lacunas de sessenta metros entre meia dúzia de ilhotas rochosas. Algumas eram ligadas por pontes feitas às pressas, com tábuas t?o distantes que parecia mais fácil cair no v?o entre elas do que realmente dar o próximo passo. Elas faziam as pontes para as ilhas dos reinos parecerem seguras.

O rei deu um passo na dire??o de uma.

— N?o.

Oro virou-se para olhar para Isla.

— N?o? — ele perguntou, como se tivesse entendido mal.

Ela n?o encontrou seus olhos, mas poderia ter adivinhado que ele a observava com uma express?o de desagrado.

O rei suspirou. Ela viu um movimento rápido, como se ele tivesse pressionado os dedos na têmpora em frustra??o.

— é segura. Mas, se por alguma raz?o você cair, é óbvio que eu te salvaria.

Isla se virou e o encarou.

— Me salvar? Como você fez no primeiro dia?

Oro ficou tenso. Ent?o devolveu o olhar e respondeu:

— Sim, como eu fiz no primeiro dia.

Ela soltou uma risada.

— Eu caí na água! E você me deixou em uma po?a na varanda, como lixo, sem nem se preocupar em ver se acordei!

Ele zombou.

— Você pode ter caído na água antes que eu pudesse te alcan?ar, mas também teve uma les?o na cabe?a da qual n?o teria acordado se eu n?o tivesse te curado.

Isla se lembrou da cabe?a latejando e de como n?o havia nenhum ferimento. Ela se endireitou.

— Você acabou de admitir que me alcan?ou tarde demais, ent?o a única maneira que vou atravessar esta ponte é se você ficar bem do meu lado. Porque se eu cair, você cai.

Oro a olhou como se pudesse ele mesmo jogá-la lá de cima.

— Está bem — ele disse por entre os dentes, e pegou o bra?o de Isla de forma rude.

Antes que ela pudesse hesitar, o rei arrastou os dois para a ponte. Isla prendeu a respira??o. O vento soprava pelas rachaduras, causando calafrios em suas pernas. De repente, elas tinham ficado t?o rígidas quanto as finas tábuas de madeira balan?ando sem controle sob seus pés.

— Rápido — ela sussurrou, fechando os olhos.

Deu um passo na frente do outro, tentando n?o pensar na sensa??o de cair infinitamente da varanda até mergulhar no mar. Em como sua respira??o tinha sido arrancada do peito. Como tinha...

— Pode abrir os olhos agora — ele disse, soltando o bra?o de Isla como se causasse queimaduras. Isla nunca esteve t?o grata por sentir a terra firme.

Ela obedeceu e olhou ao redor. Tinham chegado a uma parte da montanha que era estreita no topo, mas juntava-se ao resto da colina perto da base. Se ela escorregasse, despencaria apenas cerca de trinta metros antes de chegar a alguma fenda do penhasco. Ela estremeceu. N?o que isso fosse muito melhor do que simplesmente cair pela lateral da ilha.

A tempestade parecia próxima o suficiente para ser tocada, curvando-se na dire??o deles em sua dan?a paralisada. Os sussurros que Isla conseguira ouvir no penhasco estavam mais altos agora. Quase insistentes.

Oro havia parado a poucos metros de distancia, em um buraco perfeitamente redondo, como um po?o. Na penumbra, Isla n?o conseguia ver o fundo. Pelo que sabia, ia até o fundo da montanha.

— Eu vou primeiro — Oro disse do lado dela. — Depois você.

Ele come?ou a dar um passo à frente, para dentro do buraco negro, e ela agarrou seu cotovelo. Ir primeiro? Eles iam pular lá dentro?

— Alguma coisa vai... aparar a minha queda?

— é óbvio que sim.

Ela olhou para o buraco e estreitou os olhos. Estava t?o escuro quanto se estivesse de olhos fechados. Se n?o conseguia ver nada, significava que a queda era longa. Poderia ser mortal.

— Você... tem certeza?

Oro suspirou.

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