Mas o ar da manh? incendiou-se com gritos e laminas erguidas. Pássaros cantavam das copas das árvores e o vento farfalhava pelas folhas como um rugido. Aliviada, Isla desceu os degraus cobertos de pétalas, a natureza florescendo a seus pés, enquanto a multid?o criava uma passagem em dire??o às árvores gêmeas mais antigas.
As raízes se ergueram no ar, depois se entrela?aram, formando uma arcada imponente, redonda como uma lupa. O outro lado da floresta a esperava além, seguro e familiar. Mas n?o era para lá que Isla estava indo. Engoliu em seco. Ela passara a vida toda se preparando para aquele momento. As m?os de Terra e de Poppy encontraram seus ombros.
Isla atravessou o portal que só funcionava uma vez a cada cem anos. As últimas palavras ditas para as tutoras ainda estavam frescas em sua mente: Vou seguir suas ordens.
E desejou que n?o tivessem sido uma mentira.
CAPíTULO DOIS
A ILHA
O portal se fechou atrás dela, o silêncio sufocando os aplausos. Apenas sua respira??o irregular permaneceu. Ela deu um passo à frente, e uma luz como a de mil estrelas e sóis moribundos a cegou.
Isla se desequilibrou para o lado e um bra?o se estendeu para segurá-la.
— Abra os olhos — disse uma voz, sombria e marcante como a meia-noite.
Isla nem tinha percebido que estavam fechados. Ela piscou, o mundo tremeu e depois se firmou; esse portal era muito pior do que o da varinha estelar.
A express?o do homem que a olhava era de divertimento. E, de algum jeito, parecia familiar. Ele era t?o alto que Isla teve que levantar o queixo para encontrar seus olhos, escuros como carv?o. O cabelo era como tinta derramada em sua testa pálida. Um Umbra, sem dúvida. O que significava...
— Obrigada, Grimshaw — Isla disse com firmeza.
Ela rapidamente se endireitou e olhou em volta, torcendo para que ninguém a tivesse visto trope?ar. Ela quase podia ouvir Poppy e Terra em seus ouvidos, repreendendo-a.
Mas, além de Isla e do homem, o penhasco estava vazio. Ela se virou, e um pequeno som sufocado arranhou o fundo de sua garganta. O mar rugia furiosamente centenas de metros abaixo. Ela quase se juntou às rochas e acabou com o plano de salvar seu povo antes de sequer o Centenário ter come?ado.
Quase acabou com todos os seus planos.
— Isso teria sido inconveniente. — O governante Umbra sorriu, revelando uma única covinha, completamente deslocada em seu rosto de fei??es marcadas e cruéis. — Pode me chamar de Grim, Isla.
Grim. Significa sombrio, sinistro, ela pensou. Uma palavra terrível, mas usada com orgulho. Ainda assim, o nome lhe convinha. Havia algo de sombrio sob aquele sorriso, uma sombra discreta sempre capaz de se tornar monstruosa no escuro.
— Já nos vimos antes?
N?o era o fato de que ele sabia seu nome. Isso era de esperar. N?o era o fato de que ele o pronunciasse perfeitamente, como o sibilar de uma cobra, se demorando nos sons de cada letra. Havia algo mais...
Aquele sorriso vacilou.
— Se fosse o caso — seus olhos ficaram mais profundos por um momento —, n?o teria sido apenas uma vez.
Isla sentia seu rosto ficar quente sob aquele olhar. Além das raras e monitoradas intera??es ou em suas viagens secretas com a varinha estelar para as outras terras, ela n?o havia passado muito tempo com homens.
Especialmente com homens como ele.
Especialmente com homens que n?o pareciam ter medo dela e de sua maldi??o.
Isla franziu a testa. Ele deveria ter medo. Se um Selvagem desejasse, poderia fazer uma pessoa se jogar de um penhasco. Seu poder de sedu??o era impossível de resistir, embora seu uso fosse proibido durante os cem dias. O Umbra deve ter pensado que estava seguro.
Ele n?o estava.
Cada Centenário era um grande jogo, uma chance de ganhar habilidades sem precedentes. Diziam que quem quebrasse as maldi??es, cumprindo a profecia, receberia todo o poder necessário para lan?á-las, o maior dos prêmios.
Esse flerte tinha por objetivo distraí-la?
Isla olhou para ele.
E Grim sorriu ainda mais.
Interessante.
A cada cem anos, desde que as maldi??es foram lan?adas, a ilha de Lightlark aparecia por apenas cem dias, livre de sua intransitável tempestade. Os governantes de cada reino eram convidados a viajar das novas terras em que se estabeleceram depois de fugir de Lightlark para tentar quebrar as maldi??es que ligavam seus poderes e a própria ilha. Quer dizer, todos os reinos, exceto Umbra. Eles tinham o poder de lan?ar maldi??es, o que os tornava os principais suspeitos de tê-las criado, embora negassem. Naquele ano, parecia que o rei de Lightlark estava desesperado.
Era o primeiro Centenário para o qual um Umbra havia sido convidado.
Grim segurou seu bra?o mais uma vez e antes que Isla pudesse contestar, ele gentilmente a moveu para o lado. Um instante depois, a marca??o gigante na borda do penhasco — uma insígnia representando todos os seis reinos — brilhou em dourado, e outra pessoa apareceu do nada, no mesmo ponto onde Isla estava antes.
Uma capa azul-clara balan?ou com o vento antes de cair sobre seus ombros e bra?os muito escuros e musculosos. O homem tinha sobrancelhas maiores que os olhos, queixo esculpido e uma barba baixa em linhas perfeitas que emoldurava sua boca rosada. Azul, governante dos Etéreos. Isla sabia seus nomes desde que aprendeu a falar. Azul e Grim eram antigos, tinham mais de quinhentos anos. Estavam vivos no dia em que as maldi??es foram lan?adas. Eram lendas — comparada a eles, ela n?o era ninguém.
Aparentemente, os séculos n?o foram tempo suficiente para Azul e Grim tornarem-se amigos. O Etéreo acenou brevemente para o Umbra, e o sorriso de Grim se tornou perverso. Debochado. Azul virou-se para Isla e fez uma reverência completa, pegando sua m?o.
— é bom ter sangue Selvagem novo neste Centenário — disse ele. Seus olhos brilhantes encontraram os dela, ent?o estudaram seus dedos, cada um coberto de anéis com pedras preciosas do tamanho de bolotas de carvalho. Embora o restante dos reinos gostasse de ver os Selvagens apenas como bárbaros, a riqueza deles era inquestionável. Controle da natureza tinha suas vantagens. — Por mil nuvens, nunca vi um diamante t?o grande!
Para Isla, era apenas uma rocha. Bonita, claro, mas nada especial. Pedras preciosas eram criadas quando um grande poder era exercido sobre a natureza, e ao longo dos séculos elas floresciam sob o solo na nova terra dos Selvagens, surgindo de vez em quando e desabrochando como flores. Era difícil n?o trope?ar em algum tipo de pedra preciosa nas terras de Isla, coisa que ela só sabia por meio dos livros, certamente n?o por experiência própria.
Pelo menos até onde Terra e Poppy estavam cientes.
Terra sempre dizia que aquelas pedras brilhantes eram a raz?o de terem um suprimento constante de cora??es. Ladr?es de outros reinos, pessoas tolas, ousadas e perversas que entravam sorrateiramente em seu território em busca dos diamantes.
Isla sorriu. Ent?o, o Etéreo gostava de joias. Sem perder tempo, ela deslizou o anel de sua própria m?o para o dedo mais longo de Azul.
— Fica muito melhor em você do que em mim.
Azul parecia que ia se opor, mas n?o o fez.